Perspectivas atuais da regulação dos bioinsumos no Brasil

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Bioinsumo é o produto, o processo ou a tecnologia de origem vegetal, animal ou microbiana, destinado ao uso na cadeia produtiva do setor primário da economia (agropecuária, piscicultura e florestas plantadas) para o crescimento e o desenvolvimento de animais, de plantas, de microrganismos e de substâncias derivadas[1]. Os bioinsumos (antes chamados inoculantes ou biodefensivos) são considerados ferramentas essenciais para o setor e muitos deles contam com uso consolidado no Brasil, onde a utilização de implementos dessa natureza remonta a mais de 70 anos[2]. Hoje, os bioinsumos estão amplamente presentes no Brasil e são tidos como o futuro da produção mais sustentável.

O mercado próprio de bioinsumos tem projeção de alcançar R$ 17 milhões até 2030[3], mas parte relevante da produção desses implementos é realizada para consumo interno por grandes players do terceiro setor (a chamada produção on farm) com importância decisiva para seus negócios. Atento à relevância do tema, o governo federal criou o Programa Nacional de Bioinsumos para ampliar e fortalecer o uso de bioinsumos no País com vistas a beneficiar o setor agropecuário, por meio do Decreto 10.375/20. Entretanto, não há, hoje, previsão legal específica para a regulamentação do desenvolvimento e produção desses implementos.

A existência de uma legislação clara e objetiva para o segmento é fundamental para maiores investimentos da indústria, especialmente no caso de bioinsumos inovadores. Neste sentido, o PL 3668/2021 foi recentemente aprovado em decisão terminativa da Comissão de Meio Ambiente do Senado e remetido para tramitação na Câmara dos Deputados. O tema é de grande relevância para o setor agropecuário e deve ser acompanhado de perto.

O Projeto de Lei regula de forma ampla produção, importação, registro, comercialização, uso, inspeção e fiscalização, pesquisa e experimentação e incentivos à produção e uso de bioinsumos (art. 1º). O regime definido divide a produção em externa (comercialização de produtos a terceiros; biofábrica comercial) e interna (uso próprio sem finalidade comercial, biofábrica on farm). Além da definição dos regimes a biofábricas comerciais e on farm, o PL define penalidades específicas importantes no caso de infrações às regras nele estabelecidas, como multa de até R$ 300.000,00; destruição do produto; suspensão de atividade, de registro / cadastro; e cassação de registro / cadastro.

Para biofábricas comerciais o Projeto de Lei exige dos estabelecimentos produtores  (a) programa de autocontrole para garantir a identidade, qualidade e segurança dos produtos; e (b) registro no Ministério da Agricultura e Pecuária (“MAPA”), com requisitos mínimos como responsável técnico legalmente habilitado; capacidade e escala de produção, finalidade da produção, descrição e origem do material biológico utilizado; características dos produtos que serão produzidos / importados; mecanismos de segurança e controle de qualidade. Com relação ao bioinsumo em si, é obrigatório, ainda, registro prévio no MAPA, mas “observadas as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores de saúde e de meio ambiente, de acordo com o tipo de produto e seu nível de risco” (art. 14).

A sobreposição da regulação indicada pelo art. 14 do PL aponta para um complexo diálogo interagências (envolvendo Anvisa e MMA). Isso, segundo a experiência em outros setores de regulação compartilhada, tende a reduzir a segurança jurídica dos agentes econômicos. É possível antever, neste cenário, maiores dificuldades para bioinsumos inovadores, já que o PL prevê a possibilidade de dispensa de registro prévio, conforme futuro regulamento que estabeleça lista de espécies de organismos e de produtos autorizados para uso em controle biológico (“lista positiva”) – o que provavelmente será reservado para bioinsumos de utilização consolidade no Brasil.

Para biofábricas on farm, o Projeto de Lei prevê a possibilidade de produção de bioinsumos para uso próprio sem finalidade comercial. Para a adoção do regime de biofábricas on farm, fica expressamente vedada a comercialização dos produtos fabricados no estabelecimento. Entretanto, é permitido o transporte de produtos entre estabelecimentos de mesma associação / cooperativa, estabelecimentos de mesmo proprietário ou entre planta industrial e os produtores vinculados (no caso de produção integrada).

Bioinsumos fabricados on farm serão dispensados de registro, o que seria um importante avanço, do ponto de vista de segurança jurídica e desburocratização. Para gerir esse regime simplificado, o PL define a criação de cadastro autodeclaratório de estabelecimentos produtores de bioinsumos para utilização própria, em que constará, no mínimo, a capacidade de produção, identificação e origem do organismo classificado, linhagem, cepa ou estirpe e mecanismos de controle de qualidade. As biofábricas on farm também deverão, obrigatoriamente, possuir responsável técnico e devem observar as instruções de boas práticas regulamentadas pelo MAPA, sendo permitido exclusivamente o uso de organismos constantes em lista positiva.

O PL, portanto, propõe regulamentação de bioinsumos em modelo semelhante ao adotado em outros setores regulados, tais como agrotóxicos e demais produtos sujeitos à fiscalização do MAPA. Apesar da modelagem regulatória ser conhecida pelo mercado, repetem-se, aqui, as falhas institucionais de sempre, especialmente a insegurança jurídica decorrente da ausência de especificação mais concreta e detalhada dos papeis das agências envolvidas na fiscalização e regulação do setor (MAPA, Anvisa e MMA) e, especialmente, sem a indicação de quem terá a palavra final na matéria e regras que evitem uma burocratização que iniba a inovação. Deve-se atenção, quanto a isso, a possíveis alterações que possam ser introduzidas na Câmara dos Deputados e aos regulamentos futuros a serem definidos após a promulgação (Decreto e Portarias do MAPA) que adicionarão exequibilidade à futura lei.

[1] O Ministério da Agricultura e Pecuária apresenta os conceitos fundamentais da indústria de bioinsumos em: < https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/inovacao/bioinsumos/o-programa/conceitos>.

[2] HUNGRIA, Mariangela. O consolidado e o inovador no mundo dos bioinsumos. Revista Cultivar, 01/11/2022. Disponível em: < https://revistacultivar.com.br/artigos/o-consolidado-e-o-inovador-no-mundo-dos-bioinsumos>. Acesso em 08/11/2023.

[3] Estudo CropLife Brasil com a S&P Global, citado em https://www.agrolink.com.br/noticias/mercado-de-bioinsumos-e-estimado-em-r–17-bilhoes-ate-2030_483841.html?utm_source=agrolink-clipping&utm_medium=email&utm_campaign=clipping_edicao_7511&utm_content=noticia&ib=yc.