Em paralelo à discussão da reforma tributária, tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº 2384/2023, que previa uma pequena reforma no contencioso tributário, por meio de sugestões de alteração na Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal – LEF) sobre o oferecimento e a manutenção de garantias, no Decreto nº 70.235/72 quanto à aplicação do voto de qualidade nos julgamentos realizados no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) e, também e dentre outras propostas, na Lei nº 9.430/96, no que tange à aplicação das multas de ofício e qualificada em caso de autuação fiscal federal.
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Submetido à sanção presidencial, o PL nº 2384/2023 recebeu 14 vetos, que aguardam apreciação pelo Congresso Nacional para fins de sua manutenção ou rejeição.
Como resultado da sanção parcial ao PL nº 2384/2023, a Lei nº 14.689/2023 não resultou na reforma pretendida ao contencioso tributário, mas, ainda assim, trouxe importantes alterações, que impactam as discussões tributárias e merecem destaque.
Voto de qualidade
A Lei nº 14.689/2023 reinstituiu o voto de qualidade, mas em contrapartida trouxe medidas que visam facilitar o pagamento ou a discussão judicial do débito pelo contribuinte, em um claro reconhecimento de que o crédito tributário foi mantido por uma dúvida razoável quanto a sua exigibilidade.
Independentemente da opção do contribuinte, pelo pagamento ou discussão judicial do débito, ficarão excluídas as multas e cancelada a representação para os fins penais, ainda que o caso já tenha sido julgado pelo CARF e esteja pendente de decisão de mérito pelo Tribunal Regional Federal.
Pagamento do débito
Na hipótese de o contribuinte optar por pagar o débito, essa opção deverá ser manifestada no prazo de 90 dias e serão excluídos, além da multa, os juros de mora até a data do acordo para pagamento, que poderá ser realizado da seguinte forma:
Em até 12 parcelas, mensais e sucessivas corrigidas pela Selic e abrangerá o montante principal do débito, compreendendo o uso de precatórios para amortização ou liquidação do remanescente. Todavia, no caso de não pagamento de tais parcelas, os juros de mora serão retomados;
por meio da utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base negativa de CSLL de titularidade do sujeito passivo, de pessoa jurídica controladora ou controlada (indireta ou direta) ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica.
Discussão judicial do débito
Caso o contribuinte opte pela discussão judicial, o débito será encaminhado para inscrição em dívida ativa da União em até 90 dias e não incidirá o encargo legal de 20% de que trata o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025/69.
Ainda, a Lei nº 14.689/2023 prevê que os contribuintes que possuírem capacidade de pagamento suficiente para arcar com os débitos, estará dispensada a apresentação de garantia, exceto se, nos 12 meses que antecederem o ajuizamento da medida judicial, não detiverem certidão de regularidade fiscal emitida conjuntamente pela RFB e pela PGFN por pelo menos 03 meses, consecutivos ou não.
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Caso seja necessária a apresentação da garantia, ela deverá corresponder ao valor principal atualizado da dívida e não poderá ser liquidada antes do trânsito em julgado da ação.
Alterações na multa de ofício qualificada
A Lei nº 14.689/2023 também trouxe novidades na Lei nº 9.430/96, no tocante à multa de ofício qualificada. Foram alteradas as disposições acerca da majoração da multa de ofício de 75% sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata, nas hipóteses de sonegação, fraude e conluio para (i) 100% sobre a totalidade ou a diferença do tributo objeto do lançamento de ofício e (ii) 150% sobre a totalidade ou a diferença do tributo objeto do lançamento de ofício, nos casos em que verificada a reincidência do contribuinte.
Para os fins da majoração da multa, a reincidência será verificada quando, no prazo de 2 anos, contado do ato de lançamento em que tiver imputada a ação ou omissão de sonegação, fraude ou conluio, ficar comprovado que o sujeito passivo incorreu novamente em qualquer uma das aludidas ações ou omissões.
A qualificação da multa não se aplicará quando (i) não restar configurada, individualizada e comprovada a conduta dolosa de sonegação, fraude ou conluio ou (ii) houver sentença penal de absolvição com apreciação de mérito dos crimes em comento.
Destacamos que, nos casos em que houve lançamento de multa qualificada de 150% de acordo com a redação legislativa anterior, é cabível o requerimento da sua redução para 100% do valor do tributo, por meio da aplicação do artigo 106, inciso II, alínea “c” do Código Tributário Nacional, haja vista que a qualificação para 150% somente será aplicada nos casos de reincidência.
Os vetos às sugestões de alteração na LEF
O PL nº 2384/2023 ainda previa alterações na LEF quanto ao oferecimento e manutenção de garantia. As sugestões propostas foram vetadas pela Presidência da República.
Em nosso entendimento, a derrubada de tais vetos é medida necessária para que haja a observância ao princípio da isonomia, previsto no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal. Explica-se.
Quanto ao oferecimento da garantia, o artigo 5º do PL nº 2384/2023, ao propor a inclusão do § 1º-A ao art. 9º da LEF, dispunha que o contribuinte capaz de obter seguro-garantia ou fiança bancária de terceiros está autorizado a oferecer garantia, em qualquer modalidade, apenas do valor principal atualizado da dívida. O dispositivo proposto foi vetado pela Presidência da República. Por outro lado, foi sancionada a previsão do PL nº 2384/2023 de que, em caso de o débito executado decorrer de processo administrativo resolvido favoravelmente à Fazenda Nacional por voto de qualidade e for necessária a apresentação de garantia, o contribuinte deverá garantir o valor principal atualizado da dívida.
Quanto à manutenção da garantia, o artigo 5º do PL nº 2384/2023 previa a inclusão do § 7º ao art. 9º da LEF, que impedia a liquidação antecipada da garantia, ou seja, antes do trânsito em julgado de decisão de mérito desfavorável ao contribuinte. Referido dispositivo também foi vetado pela Presidência da República. Por outro lado, em caso de o débito executado decorrer de processo administrativo resolvido favoravelmente à Fazenda Nacional por voto de qualidade e for necessária a apresentação de garantia, a Lei nº 14.689/2023 prevê que não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da medida judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação.
Observem que, tanto no oferecimento da garantia quanto nas situações de manutenção da garantia na execução fiscal, a Lei nº 14.689/2023, da forma como promulgada, instituiu tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, pois todos buscam desconstituir débitos imputados a eles pela Fazenda Pública.
Diante disso, entendemos que o princípio da isonomia apenas poderá ser respeitado se os vetos ao artigo 5º do PL nº 2384/2023 forem derrubados pelo Congresso Nacional.
Conclusão
Os benefícios trazidos pela Lei nº 14.689/2023 ao contribuinte para o pagamento ou discussão judicial de um débito tributário decorrente da resolução de um processo administrativo a favor da Fazenda Nacional por voto de qualidade, bem como a redução do percentual de multa qualificada de 150% para 100% são importantes alterações que impactam o rumo das discussões tributárias.
No entanto, a nosso ver, uma reforma no contencioso tributário parte da derrubada dos vetos da Presidência da República às alterações propostas pelo artigo 5º do PL nº 2384/2023 à LEF quanto ao oferecimento e manutenção da garantia e quanto ao ressarcimento dos custos incorridos pelo contribuinte com o oferecimento, a contratação e manutenção das garantias, em observância ao princípio da isonomia e em prol da paridade de armas entre Fisco e contribuinte.