A ilegalidade do Regulamento Europeu do Desmatamento perante as normas da OMC

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A partir de 30 de dezembro, o Brasil enfrentará novas barreiras à exportação de soja, carne e café à União Europeia. Desta vez, o pretexto é ambiental. O Regulamento Europeu 2023/1115, que passa a ser aplicável a grandes empresas do bloco, proíbe a importação e comercialização de bovinos, cacau, café, dendê, borracha, soja, madeira e produtos derivados, como a carne bovina e o farelo de soja, quando a obtenção dessas matérias-primas resultar de desmatamento.

As empresas europeias atuantes nestes mercados e, consequentemente, os exportadores de produtos agrícolas para o bloco deverão cumprir um rigoroso dever de diligência, que inclui o rastreamento da origem dos produtos e a coleção de dados georreferenciados sobre a área de produção. Pequenos e médios produtores, no entanto, terão dificuldades em atender às exigências, o que pode ampliar desigualdades e restringir o acesso de produtos brasileiros ao mercado europeu.

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Entretanto, além de questões concorrenciais já discutidas no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), como no caso da Moratória da Soja, a União Europeia poderá enfrentar agora um problema global: o Regulamento fere o direito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Seu texto é pouco transparente quanto aos critérios usados para classificar o risco de produtos e países.

Em alguns casos, estes critérios sequer têm relação com a proteção do meio ambiente. Essa arbitrariedade abre espaço para discriminação, sobretudo contra países em desenvolvimento e com grandes áreas florestais.

A norma também ignora as limitações econômicas dos produtores e, segundo operadores europeus, cria incertezas sobre o próprio sistema de rastreamento. Pior: é ineficaz para conter o desmatamento, já que os produtos barrados podem simplesmente ser redirecionados a outros mercados.

Essas falhas, somadas ao impacto negativo sobre as cadeias produtivas globais e à falta de diálogo multilateral, violam normas e princípios centrais do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) da OMC.

A União Europeia, aliás, já teve medidas semelhantes consideradas incompatíveis com esses acordos multilaterais em disputas envolvendo a importação e comercialização de biocombustíveis à base de óleo de dendê provenientes da Indonésia e da Malásia.

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O fato de o Órgão de Apelação da OMC estar paralisado não impede que o Brasil acione o bloco. Ambos são signatários do Acordo de Arbitragem de Apelação Provisória (MPIA), o qual substitui provisoriamente o Órgão de Apelação e prevê decisões com caráter vinculante.

O direito internacional não ampara o uso do meio ambiente como pretexto para o protecionismo. O Brasil tem, portanto, um valioso instrumento político e jurídico para proteger seus direitos e, sobretudo, para exigir um debate ambiental verdadeiramente global e inclusivo.