Em 2024, a Lei 13.988/2020, que instituiu a transação na cobrança de créditos da União, completou quatro anos de vigência. Nesses quatro anos, o instituto da transação tributária federal, ainda que tenha sofrido constantes evoluções e melhorias, vem se mostrando uma eficiente política pública de conformidade fiscal e redução de litigiosidade.
Números divulgados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional revelam que desde a implementação da transação tributária federal mais de R$ 743 bilhões já foram alcançados por alguma modalidade de negociação, o que representa mais de 2,9 milhões de acordos firmados.
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Inclusive, conforme dados divulgados pela PGFN, até setembro de 2024, o valor arrecadado com a transação tributária federal chegou a R$ 24,6 bilhões, sendo que a expectativa é de finalizar o ano com uma arrecadação de cerca de R$ 32 bilhões.
Com influência na Offer in Compromise estadunidense, mas com louváveis inovações necessárias à adequação do modelo à realidade brasileira, a transação tributária federal demandou, na sua concepção, um instrumento determinante para sua viabilização enquanto política pública: a “Capacidade de Pagamento Presumida”.
Naquele momento – e estamos falando do quarto trimestre de 2019 – o desafio era desenvolver um modelo que estimasse presumidamente a capacidade de pagamento dos contribuintes em débito com a União, capacidade essa que, para não tornar as negociações morosas e burocráticas, deveria contar apenas com as informações disponíveis nos bancos de dados da Administração Pública Federal.
De fato, esse requisito foi fundamental para a viabilização de toda política, eis que, acaso adotado o modelo estadunidense, que demanda a apresentação, pelo contribuinte, de diversas informações sobre sua situação econômica e patrimonial, cada um dos 2,9 milhões de acordos já firmados teriam que passar por uma análise documental para que fosse estimado o potencial de pagamento de cada contribuinte.
Na prática, a metodologia adotada estima a capacidade de pagamento mediante a utilização de alguns signos da atividade econômica do contribuinte, com base em informações cadastrais, patrimoniais e econômico-fiscais disponíveis nas bases de dados do governo federal, mediante o uso de técnicas estatísticas.
Feita essa contextualização inicial, é fato que a metodologia adotada pela PGFN foi alvo de severas críticas.
Inicialmente, as críticas eram direcionadas à ausência de transparência e publicização de informações detalhadas acerca das métricas utilizadas e suas especificações, o que, posteriormente, veio a ser sanado com a publicação da Portaria 1.241/2023, que introduziu o inciso V ao artigo 6º da Portaria 6.757/2022[1], e pela efetiva disponibilização de orientações no site da PGFN[2].
Posteriormente, com o avanço do instituto e a natural substituição de algumas fontes de informação até então utilizadas na fórmula primitiva, a exemplo substituição da GFIP (Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social) pela DCTFWeb (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Previdenciários e de Outras Entidades e Fundos), foi necessária a elaboração de um novo modelo pela PGFN, considerando essa nova realidade.
Nesse momento, percebe-se que uma das consequências das alterações de metodologia é exatamente a possibilidade de melhora do rating de alguns contribuintes, melhora essa explicada por diversos fatores, dentre eles: (a) efetiva melhoria da situação econômica e patrimonial do contribuinte; (b) subestimação da metodologia antiga, que não conseguiu capturar adequadamente a situação econômica e patrimonial do contribuinte; ou (c) superestimação da metodologia nova, pelas mesmas razões.
Noutro vértice, também é possível a ocorrência de situações de piora da capacidade de pagamento dos contribuintes, igualmente fundada na alteração de sua situação econômica e patrimonial ou nas hipóteses de sub ou superestimação.
Nesse contexto, conforme disposto anteriormente, duras críticas foram lançadas à novel metodologia, especialmente quando a aplicação da nova fórmula representava a não concessão de desconto (situação de melhora da capacidade de pagamento).
Ocorre que a capacidade de pagamento presumida é composta por diversas variáveis, dentre elas: (i) valores dos pagamentos efetuados por Darf no ano anterior; (ii) rendimentos decorrentes da atividade da empresa; (iii) retenções de impostos de terceiros; (iv) total das NFs de saída emitidas; (v) total das NFs recebidas como destinatário; (vi) receita bruta total; valores dos débitos declarados em DCTF; garantia atribuída pela PGFN; e, (vii) valores de veículos e outros bens em nome do contribuinte.
Assim, como já afirmado, é possível que a capacidade de pagamento presumida não revele adequadamente a situação econômica do contribuinte. Exatamente por esse motivo, a Portaria PGFN 6.757, de 29 de julho de 2022, prevê o procedimento de revisão da capacidade de pagamento.
Frisa-se que qualquer contribuinte tem direito ao pedido de revisão da capacidade de pagamento, instrumento relevante não apenas para o exercício do direito de contraditório, mas – e especialmente – como ferramenta para definição colaborativa de sua efetiva capacidade de pagamento, com foco nas informações contábeis e financeiras reveladoras da sua real situação econômica, que serão utilizadas como fonte de informação para definição de eventuais benefícios, quando cabíveis.
Em assim sendo, o pedido de revisão é o instrumento adequado para que o contribuinte possa apresentar para a PGFN dados econômicos e contábeis relevantes. Ainda, é através do respectivo pedido de revisão que os contribuintes manifestarão sua inconformidade de forma clara, precisa e documentada. Isto é: não basta que o contribuinte apresente as suas informações econômico-financeiras, mas, sim, deverá apresentar também a metodologia de cálculo adotada para contestar os dados estatísticos apurados pela PGFN.
Verifica-se, portanto, que a finalidade da revisão da capacidade de pagamento é justamente oportunizar ao contribuinte a possibilidade de afastar a metodologia estatística adotada pela PGFN, indicando o valor da Capag efetiva e apresentando todos os documentos necessários para sustentar as suas alegações.
Equivoca-se o contribuinte que, ao insurgir-se quanto a presunção de capacidade, busca alterar a fórmula da Capag presumida. Não é esse o objetivo! Se há inconformidade quanto à presunção da capacidade de pagamento, essa deve ser afastada para, a partir da análise das informações financeiras, contábeis e patrimoniais, obter, de forma colaborativa, valor representativo da real situação econômica, de forma que os benefícios sejam concedidos na medida da necessidade apresentada.
[1] V – disponibilizar, para fins de transparência e orientação aos contribuintes, no site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, informações detalhadas para a aferição da Capacidade de Pagamento presumida e procedimento para a sua revisão.” (NR)
[2] https://www.gov.br/pgfn/pt-br/servicos/orientacoes-contribuintes/consultar-a-capacidade-de-pagamento