Decisão do STF sobre lei fluminense concede segurança jurídica a agentes públicos

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Depois de uma longa disputa judicial, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por 4 a 1, a constitucionalidade da Lei 6.450/2013, do estado do Rio de Janeiro, que institui auxílio financeiro, mediante mecanismo de reembolso ao servidor público estadual ou a agente público estadual, do valor por eles despendido com honorários por eles pagos a advogados privados, para a sua defesa em ações civis públicas, ações populares, ações de improbidade, ações criminais ou inquérito civil ou criminal, desde que, em síntese: (i) os atos funcionais por eles praticados tenham respaldo em manifestação e orientação jurídica da Procuradoria-Geral do estado – órgão central do sistema jurídico estadual; (ii) se limitem ao teto de quatro vezes o valor fixado na tabela de honorários advocatícios da Ordem dos Advogados do Brasil; e (iii) não sejam tais agentes públicos e servidores públicos condenados naqueles mesmos processos.

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O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) havia entendido que a lei estadual violara os princípios da licitação, para a contratação dos advogados, e da moralidade administrativa, julgando procedente, portanto, a representação de inconstitucionalidade, o que ensejou a interposição de recurso extraordinário pelo Procurador-Geral do estado, que foi admitido na origem e inadmitido, por decisão monocrática do relator, ministro Luiz Edson Fachin, provocando, então, o manejo de agravo regimental.

A Procuradoria Geral do estado defendeu, ao longo do processo, que a intenção da Lei n. 6.450/2013 foi proteger o gestor público, na qualidade de realizador do interesse público, assegurando-lhe o direito e a tranquilidade de praticar os atos inerentes à sua função, visando a concretização das políticas públicas definidas pelo governante democraticamente eleito, sem os temores eventuais de represálias e perseguições.

Com efeito, os objetivos da norma são o de proteger o agente que atua com probidade e de reduzir o dano a que está sujeito pelo acionamento temerário em seu desfavor, considerando as compreensivas angustia e aflição próprias de um processo judicial movido contra si, bem como os elevados custos de uma contratação de advogado privado.

A legislação estadual garante ao gestor público, portanto, um auxílio financeiro para custear advogado privado para lhe defender em processos judiciais que visem a sua responsabilização em razão da prática de seus atos, assegurando-lhe, portanto, tranquilidade para o exercício de suas funções.

Esta sistemática acaba por evitar a paralisia administrativa ou o medo de decidir pelos gestores, gerando o conhecido fenômeno do “apagão das canetas”, assim denominada a inação dos gestores por medo de serem futuramente responsabilizados. E mais, a lei fluminense funciona como incentivo para que os bons quadros não sejam afastados da função pública por conta do risco de ter contra si ações judiciais.

Acrescente-se, ainda, que o mecanismo implementado pela norma estadual protege, igualmente, o gestor público contra eventuais intimidações quanto ao exercício da função pública por motivos pessoais e/ou políticos, além do próprio controle judicial excessivo sobre os atos da Administração Pública.

Como bem destacou o ministro André Mendonça no voto-vista proferido no julgamento do AREXT n. 1.410.012, “não se trata de privilégio gerado aos agentes públicos na medida em que a lei estadual prevê uma série de controles prévios e posteriores para o ressarcimento pela contratação de advogado particular pelo agente público, a exemplo da consonância do ato defendido com parecer prévio da Procuradoria Estadual, além do ressarcimento posterior ao erário em caso de, não obstante a defesa por causídico, advir condenação judicial desse agente.”

Os ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e Gilmar Mendes acompanharam a divergência, para dar provimento ao agravo regimental e ao recurso extraordinário e, assim, reconhecer a constitucionalidade da Lei estadual.

Importante destacar, que a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGERJ), como não está constitucionalmente autorizada a defender diretamente os agentes públicos integrantes da Administração Pública, possui longa tradição de não os deixar à própria sorte e assim, quando sua orientação jurídica é respeitada e acolhida pelo gestor, ingressa nos processos, na qualidade de terceiro interessado, para defender o ato praticado pelo demandado.

Noutro giro, importante destacar que a lei em questão não criou uma nova figura de inexigibilidade de licitação, já que é o agente público, na qualidade de pessoa física, que realiza a contratação de advogado privado; bem como que o referido auxílio financeiro é igualmente limitado ao teto de quatro vezes o valor fixado na tabela oficial de honorários da Ordem dos Advogados do Brasil e à observância da orientação técnica e jurídica da Procuradoria Geral do estado emitida para embasar a prática do referido ato judicialmente questionado.

Registre-se, ainda, que, caso ao final do processo o agente venha a ser condenado e/ou responsabilizado pela prática de tais atos, ele deverá reembolsar aos cofres públicos o valor do auxílio financeiro antecipado pelo Estado.

Veja-se, portanto, que a sistemática da lei atende efetivamente ao princípio da moralidade administrativa, além de estimular a probidade administrativa. A atuação séria, ética e honesta dos gestores públicos; e de enaltecer a atuação consultiva da advocacia pública estadual.

Uma última nota: o reconhecimento da constitucionalidade da Lei n.o 6.450/2013 pelo Supremo Tribunal Federal possui o condão de auxiliar a própria Corte Constitucional quando do julgamento da ADI  6915, sob a relatoria do ministro Nunes Marques, que questiona a constitucionalidade do art. 10 da Nova Lei de Licitações (lei federal n. 14.133/2021), por violação ao pacto federativo, in verbis:

Art. 10. Se as autoridades competentes e os servidores públicos que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos de que trata esta Lei precisarem defender-se nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de ato praticado com estrita observância de orientação constante em parecer jurídico elaborado na forma do § 1º do art. 53 desta Lei, a advocacia pública promoverá, a critério do agente público, sua representação judicial ou extrajudicial.”

Na sua petição inicial, a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (ANAPE), defende a inconstitucionalidade do art. 10 ao argumento de que não cabe à União, a pretexto de tratar de normas gerais de licitação, definir e estabelecer atribuições aos órgãos da advocacia pública estadual e municipal, sob pena de ofensa ao pacto federativo. 

O reconhecimento da constitucionalidade da lei n. 6.450/2013 pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por certo, auxiliará o plenário da Corte Constitucional a julgar a ADI 6.915, na medida em que o mecanismo de defesa e o auxílio financeiro nela estabelecidos não deixará os gestores probos e honestos à própria sorte, uma vez que lhes está garantido o direito à contratação de advogados privados para lhes defenderem nos processos judiciais movidos para responsabilizá-los.

O estado do Rio de Janeiro oferece aos demais entes subnacionais um sistema legal que, como dito, enaltece a atividade consultiva da advocacia pública, incentivo à probidade e garante aos gestores sérios e honestos o pleno direito de defesa, além de evitar o chamado “apagão das canetas”.