Em seu primeiro discurso formal como presidente da COP30 — e primeira viagem internacional, não por acaso à Organização das Nações Unidas —, o embaixador André Corrêa do Lago insistiu que o multilateralismo e o respeito à ciência são essenciais para enfrentar o desafio global do clima. Mas deixou claro que, se a ideia for traduzir os 10 anos do acordo de Paris em resultados concretos, o pragmatismo será peça fundamental daqui por diante. Esta será a tônica da sua gestão em tempos sombrios, em que a maior economia do mundo adota medidas protecionistas unilaterais e mostrou descaso com a mudança do clima, ao abandonar, pela segunda vez, o barco da convenção.
Este pragmatismo virá dos esforços da sua presidência em envolver “negociadores, governos nacionais e subnacionais, sociedade civil, setor privado e outras partes interessadas”, como destacou no discurso. É assim que pretende contornar a dificuldade de não ter Washington na mesma página da missão 1.5 da Troika e das Nações Unidas. Negociações começam a ser travadas já, às margens da convenção, para que possam ser anunciadas ou ter efeitos a partir da reunião de cúpula da COP30 em Belém, como mostrou o JOTA em seu relatório sobre a COP30.
Isso fica claro quando Corrêa do Lago volta ao tema, ao citar entre as três dimensões que pretende impulsionar, a necessidade de se acelerar a implementação do Acordo de Paris a partir de “soluções estruturais para além do regime multilateral do clima, inclusive no que se refere a governança global e arquitetura financeira”. Ou seja, que não precisem necessariamente do aval de todos os estados-membros, mas que, ainda assim, tenham alcance global.
Estados norte-americanos já manifestaram interesse em envolver-se em iniciativas, segundo fontes do governo brasileiro. Quase metade deles tem ações voltadas para a sustentabilidade e de combate à mudança do clima. Por esta razão, são potenciais parceiros de peso. As próprias corporações já perceberam que o tema deve estar no cerne dos seus negócios. Não é à toa que muitas companhias automobilísticas, nos EUA inclusive, apostam nos veículos híbridos para não perder o bonde da história, nem resultados no balanço.
Corrêa do Lago falou no foco à construção de capacidade para desenhar estratégias de investimento holísticas, projetos que interessem bancos (“bankable projects”) e o envolvimento das partes interessadas (“stakeholder engagement”) para que se fortaleça a implementação das NDCs e dos planos de adaptação dos países em desenvolvimento.
E não é só isso. Há outra tarefa que o embaixador reconhece importante para que se coloque em prática o que vem sendo negociado nos últimos anos: conectar a realidade à abstração das negociações da COP e de decisões de governo.
Ele falou ainda no road-map Baku-Belém para se alavancar os recursos que financiarão as ações de combate à mudança do clima ao US$ 1,3 trilhão, número a que se chegou durante a COP29 no Azerbaijão.
Segundo Corrêa do Lago, o programa de prioridades que apresentou nesta quarta-feira de cinzas em Nova York, em vez de promover negociações que causam desconfiança ou polarização, tem a vocação de se tornar plataforma de grandes avanços e construção de confiança a partir de ações de cooperação que permitam que as oportunidades superem os obstáculos e se transformem em soluções de fato.
A defesa do multilateralismo, palavra que repetiu múltiplas vezes, seguindo a linha da política externa brasileira, se explica pela dimensão do problema, uma questão global, que não é mais algo de que se ouve falar, mas que se vive no dia-a-dia, nos ecossistemas, nas cidades, para além dos textos acadêmicos ou dos discursos de política externa, como enfatizou.
“O Brasil tem a firme convicção de que não há progresso futuro para a humanidade sem uma cooperação profunda, rápida e sustentada entre todos os países”, disse, sem mencionar as políticas climáticas dos EUA de Donald Trump.
“As instituições multilaterais podem e devem produzir resultados proporcionais à escala do desafio climático”, prosseguiu.
Ele ainda falou na importância das comunidades indígenas e na visão do presidente Lula ao levar a COP à Amazônia como uma mistura de realismo e esperança, que converte temas que sempre foram vistos como problemas em soluções.