Mais um caso de abuso regulatório vai a julgamento no STF

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O Supremo Tribunal Federal (STF) tem um encontro marcado com um tema que pode transformar radicalmente o cenário regulatório sanitário no Brasil. Nesta sexta-feira (14/2), a corte retomará o julgamento do ARE 1.348.238 – Tema 1252, no qual se arguiu a inconstitucionalidade da Resolução da Diretoria Colegiada 14/2012 editada pela Anvisa. O caso retorna para a pauta do plenário com a apresentação do voto-vista do ministro Alexandre de Moraes.

A norma promoveu verdadeiro banimento de todos os produtos fumígenos, incluindo charutos, cigarros de palha, fumo para narguilés e outros, que são comercializados de forma legal há décadas no país.

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É que a Anvisa decidiu proibir o uso de qualquer ingrediente que não seja tabaco ou água no processo de manufatura desses produtos. Assim, possivelmente, alegam os técnicos, todas as marcas conhecidas atualmente no mercado brasileiro deixariam de existir. Essa intervenção abrupta na indústria acende, portanto, um alerta perigoso para diversos outros setores da economia sobre os limites constitucionais e legais efetivamente conferidos à referida agência.

A validação da RDC 14/2012 poderia conceder à Anvisa uma espécie de “carta branca” para definir o que supostamente seria melhor para o país em matéria de saúde e vigilância sanitária e, pior, sem um olhar mais amplo e apurado acerca dos diversos outros temas sensíveis que estariam em jogo. Essa grave ameaça de a Anvisa poder regular administrativamente o tema sem que sejam respeitados os limites impostos pela Constituição Federal e pela legislação vigente geraria uma insegurança jurídica alarmante, consagrando um paternalismo guiado por pouquíssimas pessoas, sem qualquer representatividade ou mandato para a decisão que tomou administrativamente no longínquo ano de 2012.

Mas talvez até mais grave do que isso, a referida RDC 14/2012 promove uma intervenção no mercado que fere a ordem econômica da Constituição Federal – a qual é baseada na livre iniciativa – e também a legislação federal que trata da liberdade econômica e das agências reguladoras, as quais, como normas de ordem pública, aplicam-se à regulação anterior suspendida liminarmente e que agora poderia entrar em vigor.

Com efeito, a principal falha da RDC 14/2012 reside na ausência de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR). A Lei de Liberdade Econômica exige que o Estado justifique suas intervenções no mercado, prevendo seus efeitos e buscando o menor ônus para os agentes econômicos. A ausência desta análise na RDC demonstra uma falta de planejamento e transparência, colocando em xeque sua legitimidade.

As consequências econômicas de sua implementação seriam potencialmente devastadoras. Um estudo da FGV Conhecimento estima perdas de bilhões de reais em PIB, renda familiar e arrecadação de impostos, além da perda de dezenas de milhares de empregos. O impacto se concentraria na região Sul, principalmente no Rio Grande do Sul, onde a produção de fumo sustenta a economia de inúmeros municípios. Recentemente atingida por fortes chuvas, a região enfrenta um cenário ainda mais delicado.

A RDC, sem AIR, portanto, ignora a realidade econômica do setor e seus impactos sociais. Ela potencialmente estimularia o mercado ilegal – já considerável no Brasil –, levando ao consumo de produtos sem controle de qualidade e com riscos à saúde. Isso não apenas prejudica a saúde pública como também prejudica a arrecadação tributária e aprofunda as desigualdades regionais.

O julgamento do STF sobre a RDC 14/2012 é, portanto, crucial. Não se trata apenas de avaliar a constitucionalidade de uma norma, mas sim de analisar como o Estado intervém no mercado, ponderando os poderes regulatórios com as garantias de liberdades constitucionais, assim como com os efeitos no mundo real. A ausência de uma AIR demonstra uma falha grave neste processo. Trata-se de mais um caso de abuso regulatório a ser corrigido pela nossa Corte Suprema.