Após 12 anos de debates judiciais sobre a constitucionalidade da regulação, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do uso de aditivos em produtos de tabaco, o tema foi amplamente discutido e está pronto para uma decisão apta a consolidar o que já foi decidido pelo próprio STF na ADI 4874/DF.
A mesma questão voltou a ser debatida, com repercussão geral, no ARE 1.348.238 (Tema 1252), da relatoria do ministro Dias Toffoli, que já apresentou voto favorável à constitucionalidade do ato da Anvisa. O julgamento do ARE será retomado a partir desta sexta-feira (14/2) na modalidade virtual.
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Após amplo e democrático processo de consulta pública, a Anvisa editou a RDC 14/2012, com pleno apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS), por se tratar de medida considerada essencial para a proteção da saúde pública, para a prevenção ao tabagismo, principalmente entre crianças e adolescentes. De fato, o acréscimo ilegal de aditivos de sabor e aromas confere atratividade e palatabilidade a cigarros e narguilés, por exemplo, facilitando as primeiras tragadas de produtos que causam forte dependência e risco de doenças e morte.
Apesar de sua importância, a norma que proíbe tais substâncias nunca entrou em vigor plenamente no país, em razão da judicialização abusiva promovida pelos gigantes da indústria do tabaco, assim limitando os efeitos positivos esperados à saúde pública. Infelizmente, de lá para cá, mais de 1.000 produtos de tabaco com aditivos proibidos pela norma ingressaram no mercado com foco no público infantojuvenil.
As consequências são graves. Ao longo desta década de questionamentos da indústria, ela mesma se aproveitou de adolescentes que experimentaram narguilé saborizado, quadruplicando o número de usuários. A proporção de fumantes entre adolescentes de 13 a 17 anos permaneceu estável, diferentemente do que ocorreu com outras faixas etárias, em que houve redução do consumo, mostrando uma relação entre a disponibilidade de produtos com aditivos e o aumento de consumo de produtos fumígenos entre jovens.
A restrição dos aditivos em cigarros é alinhada aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (Decreto 5.658/2006). Além de ser baseada em evidências científicas, tem o objetivo de reduzir o consumo de tabaco e minimizar seus impactos negativos para a sociedade.
O tabagismo é a principal causa de morte evitável no mundo, sendo responsável por 12% de todas as mortes que ocorrem no Brasil em pessoas maiores de 35 anos. Causa 477 óbitos por dia. O tabagismo também gera custos médicos diretos por ano da ordem de R$ 67,2 bilhões, o equivalente a 7% de todo o gasto com saúde, e de R$ 86,3 bilhões em custos indiretos decorrentes da perda de produtividade devido ao falecimento prematuro, incapacidade e cuidados informais. Isto representa no Brasil perdas anuais de R$ 153,5 bilhões, 1,55% de todo o PIB do país, os quais estão longe de ser repostos por tributos do setor (muito aquém desta soma).
O uso de aditivos é parte da estratégia de negócio da indústria do tabaco para atrair jovens ao consumo de seus produtos, e como medida de desinformação em favor de seus interesses comerciais, ela tem alegado que a RDC 14/2012 vai contribuir para o aumento do mercado ilegal de cigarros, o que não é verdade. A mesma tática, aliás, é defendida por essas empresas para disseminar os vapes, cigarros eletrônicos também extremamente nocivos à saúde.
O caminho para o combate a esse grave problema de saúde e segurança públicas é a implementação do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Tabaco (Decreto 9.516/2018), instrumento legal que prevê a adoção de medidas que envolvem iniciativas em âmbito nacional, esforços diplomáticos entre países fronteiriços, ações coordenadas de inteligência e fiscalização e outras iniciativas para reduzir o comércio ilícito de produtos de tabaco.
Autoridades como a OMS, o Banco Mundial e o Instituto Nacional do Câncer, do Ministério da Saúde, são uníssonas em advertir que a ameaça de um mercado ilegal não tem relação direta com a adoção de políticas de saúde pública para a redução do tabagismo.
Segundo o Banco Mundial, o comércio ilegal é determinado principalmente por fatores não relacionados ao preço, tais como capacidade de governança e fiscalização, falhas nos marcos regulatórios, aceitação social do comércio ilegal e disponibilidade de redes de distribuição informais. Vale dizer: a regulação de aditivos em cigarros não é a causa direta do surgimento desses mercados irregulares.
Postergar a implementação da RDC 14/2012 só perpetua a indústria do tabaco em sua estratégia de negócio perversa e ilegal de atrair crianças e adolescentes ao tabagismo, tornando-as dependentes de nicotina. Sem contar todo o ônus social e econômico causados pelo tabaco, que alcança crianças e jovens com facilidade. A sociedade aguarda um desfecho conclusivo e efetivo que coloque um ponto final ao tema, protegendo nossas gerações com saúde e proteção aos mais vulneráveis.