Uma área do tamanho do estado da Bahia. Esta é a dimensão do tesouro que se encontra no limbo, sem uso definido. As Florestas Públicas Não Destinadas (FPND) da Amazônia somam 56,5 milhões de hectares que vêm sendo erroneamente tidos como “terra de ninguém” e sofrendo ameaças diárias por meio da exploração predatória de recursos naturais.
Essas florestas aguardam uma destinação que vise a conservação e uso sustentável de recursos naturais, principalmente para povos e comunidades tradicionais, como é previsto na Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.284/06).
O aguardo pela destinação tem sido um aliado da ilegalidade. A atuação de grileiros é a maior causa do desmatamento na região: metade do desmatamento na Amazônia de 2019 a 2021 se deu em terras públicas. Se antigamente utilizava-se uma caixa com grilos para dar um aspecto envelhecido a títulos de terra falsos, hoje criminosos utilizam o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Infelizmente, esta importante ferramenta de regularização ambiental em imóveis rurais vem sendo usada como instrumento fundiário para indicar a posse fraudulenta em terras públicas.
Por ser auto declaratório e ter uma validação morosa, na Amazônia temos um pouco mais do que 30 milhões de hectares declarados no CAR sobrepostos em florestas públicas não destinadas. Cerca de 40% desses cadastros são de terras com mais de 15 módulos fiscais, que na Amazônia tem uma média de 100 hectares. Ou seja, com dimensões aproximadas a 210 parques do Ibirapuera. São nossas florestas sendo declaradas como propriedades particulares.
Após o CAR, o grileiro desmata para criar gado ali. Não estamos falando de pecuaristas que seguem a lei ambiental brasileira, respeitando as faixas de Reserva Legal e as Áreas de Proteção Permanente. Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) indicam que 75% do que é desmatado em terras públicas vira pastagem. A outra parte é abandonada (20%), queima ao longo do ano ou cresce uma floresta secundária que também acaba sendo dizimada pelo fogo.
A falsificação de documentos para a apropriação ilegal de terras públicas é apenas o primeiro de uma série de problemas sociais, ambientais e econômicos atrelados à grilagem. Esse crime também contribui significativamente para o desequilíbrio climático. O desmatamento libera na atmosfera, em forma de gás, o carbono que a vegetação natural armazena acima e abaixo do solo. O dióxido de carbono é um dos gases do efeito estufa – fenômeno natural que garante a manutenção de uma temperatura habitável na Terra.
Estamos vivendo uma corrida contra o tempo. Se essas áreas não forem destinadas e continuarem a ser desmatadas, a Amazônia atingirá o seu tipping point, nome dado ao ponto onde a floresta perde a capacidade de se regenerar. Esta é uma ameaça ao futuro do país, social, ambiental e econômico. Os impactos vão desde a redução em 70% na produção de grãos na região do Matopiba (fronteira agrícola entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) até a uma redução drástica nas chuvas.
Para se ter uma ideia, o desmatamento na área do rio Xingu, no Amazonas, ocasionou redução de duas semanas na precipitação média anual de chuvas, aumentando a temperatura local seriamente. A realidade do clima no Xingu, com 8% menos chuva na estação chuvosa e 15% na seca, afetaria a produtividade agrícola, o abastecimento urbano de água e os reservatórios das usinas hidrelétricas.
Umas das formas de proteger essas florestas é destiná-las adequadamente. Uma destinação que vise o uso sustentável dos dessas florestas é essencial. Unidades de conservação e terras indígenas estocam cerca de 56% do carbono no bioma amazônico e, de acordo com levantamento da rede MapBiomas de 2022, o desmatamento em áreas indígenas, por exemplo, foi de apenas 1% em 30 anos.
Por isso, a importância de estarmos de olho no destino dessas florestas. Engajar a sociedade e os agentes públicos para destinar essas áreas é urgente e tornou-se uma corrida contra o tempo. Pensando em uma forma eficaz de monitoramento, o IPAM e o Movimento Amazônia de Pé lançaram o Observatório das Florestas Públicas. A plataforma traz um contador da destinação das florestas, além de informações sobre desmatamento ilegal, CAR em FPND, estoque de carbono e outros dados relevantes para entendermos o que está acontecendo com essa imensidão de florestas que pertence a todos nós.
E depois?
A destinação em si é apenas um primeiro passo para garantir que essas florestas estejam nas mãos de povos indígenas e comunidades tradicionais que, historicamente, conservam o meio ambiente. No entanto, é fundamental que haja apoio de políticas públicas para que essas populações continuem seus modos de vida, exercendo o direito sob a terra, pois isto traz benefícios para o país, seja do ponto de vista da produção ou socioambiental.
Portanto, para que a floresta permaneça em pé após destinação, nosso desafio continua. As mudanças climáticas estão cada vez mais extremas e frequentes. Seja na seca severa na Amazônia com rios reduzidos a filetes de água, seja nas grandes inundações no sudeste e no sul do Brasil. Precisamos olhar e cuidar desse imenso tesouro para o futuro das gerações de brasileiros que virão depois de nós.