Vitória de Milei na Argentina dá sobrevida à extrema direita na América Latina

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Javier Milei está eleito presidente da Argentina. Em vez de chorarmos por nossos vizinhos, derramemos lágrimas por nós mesmos. Não importa o desempenho do novo inquilino da Casa Rosada no cargo: a extrema direita brasileira vai usar a conquista daquele cuja única experiência política até hoje é um mandato de dois anos como deputado federal como exemplo de que é possível vencer o “comunismo” — ou seja, tudo aquilo para o qual as perspectivas ultradireitistas não convergem.

Na linguagem tosca bolsonarista, a vitória de Milei é o viagra que a direita que odeia qualquer compromisso com outros segmentos políticos precisava para demonstrar sua viabilidade na América Latina após a fracassada tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro no Brasil em 2022 e a derrota de José Antonio Kast no Chile em 2021.

Também preparemos os lencinhos para enxugar o choro que inevitavelmente virá quando milhares dos poucos empregos industriais que nos restam deixarem de existir junto com o Mercosul. Não se enganem: o Milei moderado não é a antessala de um novo governo, mas o fim de uma campanha em que o radicalismo foi escamoteado aos poucos. Assim, a promessa de não mais sair do principal bloco comercial da América do Sul deve ter sido apenas estratégia para atrair ao palanque vencedor o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e a sua candidata ao pleito deste ano Patricia Bullrich, da coalizão de direita tradicional Juntos pela Mudança.

Milei, argumentam aqueles que rejeitam o rótulo de extrema direita embora tenham votado ou apoiado o candidato, será obrigado a se moderar, pois vai precisar da coalizão de Macri e Bullrich para governar. É o mesmo discurso que ouvimos após a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016 e de Bolsonaro no Brasil em 2018. Sem fazer comparações históricas indevidas ainda que inevitáveis, já tinha sido o caso dos alemães em 1933 quando da chegada dos nazistas ao poder.

Aliás, será que a comparação é tão indevida assim? Ao dizer que vai fazer parcerias políticas apenas com o mundo “civilizado” — compreendido, segundo Milei, por Europa e Estados Unidos —, o novo presidente argentino exala um odor de nacionalismo branco. Na raiz, nada muito diferente do negacionismo das raízes mestiças da Argentina proferido pelo atual mandatário, o peronista Alberto Fernández, ao dizer que os argentinos vieram de barco, numa referência à migração europeia, enquanto os brasileiros teriam vindo da selva.

Na prática, o posicionamento de Milei indica a vinculação a uma visão de mundo segundo a qual os mais fortes devem sobreviver em detrimento dos mais fracos. Sua oposição à dita sociedade de castas que organizaria a Argentina com um Estado ineficiente é na verdade um ódio aos mais pobres. Anarcocapitalismo não existe para um político eleito: o que é possível fazer no poder restringe-se a controlar o tamanho e a funcionalidade do aparato estatal.

Por isso que o nazismo e o fascismo de quase um século atrás assemelham-se à onda populista nacionalista de direita que encontra em Milei sua expressão mais recente. Com variações no percurso, o fim de todas essas tendências políticas é um só: colocar o Estado contra os mais fracos e pobres, o que só é possível com a violência física e simbólica levada a níveis extremos. Portanto, trata-se de um processo que depende da erosão das instituições democráticas.

No caso da Argentina, que já padece de uma crise econômica, um governo de extrema direita equivale a uma bomba atômica, com sérias repercussões domésticas e internacionais. Talvez para se eximirem de sua responsabilidade por terem apoiado e/ou votado em Milei, as elites ditas liberais procuram conforto ao negarem constantemente que desta vez vai ser diferente.

Parafraseando Roberto Carlos, será que a extrema direita desta vez vai aprender a ser gente e, portanto, cuidar de gente? Mais fácil a seleção de Fernando Diniz bater Messi e os demais albicelestes nesta terça-feira (21) no Maracanã. Como diria o gênio argentino Jorge Luis Borges, “a esperança é o mais sórdido dos sentimentos”.