A uniformização em 17,5% do Imposto de Renda cobrado nas aplicações financeiras tende a incentivar que o Tesouro acabe pagando um maior “prêmio” para emitir títulos com prazos mais longos. A regra anterior, que reduzia o imposto conforme o prazo de aplicação, junto com o fim da distinção entre fundos de longo prazo e curto, tem gerado avaliações de que poderá haver um encurtamento da dívida pública a partir do ano que vem, quando a medida, se aprovada, entrará em vigor.
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Dentro do próprio governo há interlocutores com esse temor de que pode haver o efeito colateral de encurtamento dos prazos da dívida, elevando os riscos de financiamento do país. Mas há ponderações em contrário também, com a visão de que a escadinha não só era mais uma “jabuticaba”, algo que só tem no Brasil, como também uma regra que privilegiaria pessoas mais abastadas em detrimento de quem não é tão rico e que não conseguiria poupar por prazos muito longos, por estar mais sujeitos a emergências.
Embora o estímulo tributário, de fato, ajude no alongamento da dívida, esse efeito pode mesmo ser compensado por uma gestão via preço na dívida. A consequência é que a chamada, no jargão do mercado, “curva de juros” fique mais “positivamente inclinada”, com os títulos mais longos oferecendo taxas ainda maiores para compensar não só o maior risco, mas também o fim do incentivo fiscal.
O maior impacto deve se dar na gestão dos fundos, que representam ente 22% e 25% da dívida, com menor efeito no restante dos detentores dos papéis do governo. De qualquer forma, há um risco de volatilidade no curto prazo, se a medida for mesmo aprovada, o que é um grande “se”, nesse momento.
O estrategista-chefe da Warren e ex-coordenador geral de operações da dívida pública, Luís Felipe Vital, lembra que, quando o benefício tributário foi criado, o Brasil realmente tinha um perfil de dívida muito curto e a medida fazia bastante sentido. “Hoje, o prazo médio da dívida está acima de quatro anos. Então, essa pressão direta não vai ter mais”, afirmou. Para ele, a maior pressão por encurtamento vem do fim da distinção de fundos de curto e longo prazo previsto na MP. Mesmo assim, diz, é algo administrável.
“Eu faço o exercício de que, já que não existe mais diferenciação, e como a pessoa quer menos risco, mais CDI, a carteira de longo prazo migraria para o perfil de curto prazo. E aí a gente tem impacto na demanda por LFT [títulos pós-fixado]. Mas ele é um impacto diluído ao longo de vários anos”, comentou. “O impacto total, nosso número aqui, é da ordem de R$ 320 bilhões. Mas diluído ao longo de muitos anos. O Tesouro emite R$ 750 bilhões a R$ 800 bilhões de LFT por ano”, completou.
Segundo Vital, é importante lembrar que o Tesouro tem uma dívida em reais detida por locais e que o financiamento é praticamente garantido. “O que a gente discute é a qualidade desse financiamento. Mas não existe um risco de financiamento de forma alguma. Não é uma pressão muito forte [de encurtamento], mas gera uma tendência. A discussão sobre o encurtamento é que você vai precisar fazer com que esses títulos sejam atrativos, independente do seu benefício tributário. Então, pensando muito na LFT, vai ter que ter uma curva de prêmios”, salientou. “Você vai ter que colocar uma quantidade de prêmio [maior] para garantir a demanda por esses títulos na ausência de um incentivo tributário.”
Vital não acredita que um aumento nos custos das emissões de títulos pós-fixados mais longos possa gerar perdas em fundos DI, como chegou a acontecer em 2020. Ele lembra que naquela época a taxa Selic estava na casa dos 2%, muito diferente da situação atual, com a Selic em 14,75%, o que dilui o efeito de uma alta dos prêmios.
“É o trabalho do Tesouro, de estabelecer ou ajudar o mercado a estabelecer um nível de prêmios que garante uma demanda… Acho que o cuidado do Tesouro vai fazer com que esse processo se dê de uma forma gradual e tranquila para evitar uma dinâmica negativa para os detentores da dívida”, afirmou.
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Na prática, o governo está correndo o risco de trocar uma renúncia tributária por um gasto maior com juros, ao ter que emitir títulos mais longos com maior custo. Seria interessante que a Fazenda abrisse as contas para verificar se no final das contas isso será melhor ou pior para as contas públicas.
E é bom ficar de olho no risco de volatilidade nas aplicações do aplicador comum. Em 2002, no ano eleitoral da eleição que sagrou Lula como sucessor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a introdução da chamada “marcação a mercado” gerou prejuízos em fundos que os clientes acreditavam que eram sem risco. No caso atual, a proporção da medida não parece nem de longe a mesma, mas é sempre bom ter cautela redobrada com decisões que podem mexer com o dinheiro guardado das pessoas, especialmente em períodos de maior turbulência política.