Uma petição por mais economia (e economistas) nos tribunais superiores

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Recentemente, a sociedade brasileira foi surpreendida com o convite de um economista para compor a próxima equipe da presidência do Supremo Tribunal Federal[1], que, com a iminente aposentadoria da ministra Rosa Weber, ficará a cargo da liderança do ministro Luís Roberto Barroso.

Surpreendida porque, em que pese a íntima relação entre o Direito e a Economia, além de suas múltiplas – e apaixonantes – zonas de interseção, o seu convívio tem sido bastante tímido no contexto dos tribunais brasileiros. O que o anúncio do ministro Barroso demonstra, contudo, é um contagiante otimismo entre os entusiastas do “law and economics” sobre os próximos capítulos deste pitoresco – mas tão necessário – relacionamento.

Dentre estes entusiastas, há um grupo ainda mais sonhador, que, de tanto apreciar as penumbras entre o Direito e a Economia, trouxeram-nas à sua própria formação. São os chamados “advogados-economistas”. No Brasil, esta ainda é uma espécie rara e muitas vezes estigmatizada, especialmente quando percebida entre o gênero feminino. Isto porque não é difícil de escutar, no Brasil, as clássicas frases “escolhi direito porque odeio matemática” ou “os cursos de exatas são cursos masculinos” – o que já seria em si uma falácia, pois a economia é uma ciência social aplicada, nunca exata.

Felizmente, decidi fazer parte deste rol de sonhadores e tamanha foi a minha insanidade que decidi também que cursaria direito e economia ao mesmo tempo.

O desafio tornou-se ainda maior na vida profissional, afinal, encontrar intercessões práticas entre os dois mundos alguns anos atrás era um verdadeiro desafio. Até que, depois de me deliciar com o maravilhoso mundo do antitruste, pude então vivenciar uma marcante experiência no gabinete do ministro Luiz Fux, auxiliando-o em sua ambiciosa tarefa de pregar o cativante evangelho do “law and economics” no STF.

Essa experiencia me mostrou que nossos tribunais superiores precisam urgentemente de mais economia e um interessante paper recentemente publicado na National Bureau of Economic Research confirmou que há evidências empíricas para isso[2].

Esse estudo examinou os efeitos da participação de juízes americanos no Manne Economics Institute for Federal Judges, durante os anos de 1976 e 1998, nos Estados Unidos. Com o objetivo de avaliar a influência do law and economics no raciocínio jurídico dos magistrados, foram analisadas mudanças na redação dos juízes e no seu processo decisório relacionado à aplicação de políticas públicas.

Sobre o primeiro resultado, sua importância remete ao peso que o common law atribui aos precedentes, uma tendência também no ordenamento brasileiro. Após participarem do programa, observa-se um aumento significativo no uso de conceitos econômicos em suas decisões. O segundo resultado, por sua vez, atestou para uma maior sensibilidade dos magistrados nos casos que envolveram a intervenção do Estado na economia.

Ora, o raciocínio econômico apresenta uma forma bastante pragmática de tratar de politicas públicas. No ordenamento brasileiro, o conteúdo da celebrada Lei da Liberdade Econômica, por exemplo, procurou implementar o uso de algumas ferramentas com o propósito de promover reflexões no processo legislativo em relação ao contraste entre objetivos e impactos produzidos por uma norma.

Mas não é só isso. Explorar a caixa de ferramentas econômicas permite aos magistrados realizar um juízo mais críticos sobre o arcabouço probatório de um caso, seja ele concreto ou abstrato. Tomemos como exemplo o próprio controle concentrado de constitucionalidade. Apesar de os requisitos deste remédio constitucional não incluírem o impacto que determinada decisão gerará à realidade econômica de um setor ou uma classe, é cada vez mais comum nos depararmos com esse tipo de evidência econômica sendo trazida aos autos. Ótimo, isso significa que estamos usando mais law and economics nas nossas decisões, certo? Ao meu ver, não da maneira correta. Explico.

Todo exercício econômico empírico e quantitativo envolve um processo de tratamento de dados. Você provavelmente já deve ter se deparado com a famosa frase “os números, quando torturados, apresentam o valor que desejamos”. De fato, é por isso que é metodologicamente desejável que todo estudo econômico não apenas demonstre como realizou este tratamento, como justifique o porquê das metodologias e premissas utilizadas. Inclusive, é igualmente desejável que tais exercícios possam ser replicados por outros economistas após a leitura destas instruções.

No controle concentrado, exatamente por não haver uma fase probatória, os estudos apresentados geralmente são apenas pouco transparentes em relação a sua metodologia, além de não serem submetidos ao contraditório – em que pese influenciarem a cognição do tomador de decisão, especialmente se estamos tratando da aplicação ou mesmo da suspensão de uma determinada política pública.

Para além de uma análise mais crítica sobre estes exercícios empíricos, mais economia nos tribunais também significa a maior utilização de conceitos econômicos no raciocínio jurídico. Falhas de mercado, eficiência, alocação de recursos, custos de transação, risco, teoria dos jogos e até os efeitos dissuasórios de uma pena. É apenas uma pequena amostra do vasto vocabulário não quantitativo de um economista – apesar de que, para cada um destes conceitos, existirá também um modelo e algumas derivações matemáticas subsequentes.

Apropriar-se destes conceitos permite que o magistrado não apenas utilize-os em seu raciocínio decisório (direta ou indiretamente), mas também possa combater os – não raros – usos inapropriados destes conceitos pelos próprios operadores do direito. Não apenas isso. Entender sobre mecanismos macro e microeconômicos amplia a tecnicidade das decisões durante crises econômicas, protegendo a desejável imparcialidade do Poder Judiciário[3].

Para os entusiastas e sonhadores que, assim como eu, acreditam “em uma vida melhor no futuro”, deixo aqui um “educated guess”, como nós, economistas, gostamos de chamar: “Law and Economics” deixou de ser uma previsão e vem se tornando uma realidade. Até aqui, combatemos o bom combate e ressaltamos a sua importância. A partir de agora, entramos em outra fase. Não se trata mais de provar o porquê. Doravante, vamos focar no “como” e, com isso, possivelmente ampliar a espécie de advogado(as)-economistas. Afinal, ao fazê-lo, aumentamos também a probabilidade de que nossos futuros tribunais superiores possam contar com alguns raros espécimes. São cenas dos próximos capítulos.

[1] “Barroso inova e contrata economista para equipe no STF” (28/08/2023). Disponível em <https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/08/28/barroso-inova-e-contrata-economista-para-equipe-no-stf.ghtml>.

[2] ASH, Elliot; CHEN, Daniel L.; NAIDU, Suresh. Ideas have consequences: the impact of Law and Economics on American Justice. Working Paper 29788, Fevereiro de 2022. Massachucets: National Bureau of Economic Research. Disponível em <http://www.nber.org/papers/w29788>.

[3] BAKER, Scott; FEIBELMAN, Adam; MARSHALL, William P. Justices as Economic Fixers: a response to a Macrotheory of the Court. Duke Law Journal, Vol. 58, N. 7, SPECIAL SYMPOSIUM ISSUE: MEASURING JUDGES AND JUSTICE (April 2009), pp. 1627-1644.