Uma mudança de paradigma necessária na economia mundial

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O mês de julho de 2024 já pode ser considerado um marco para os debates no âmbito do G20 que está sob a presidência pro tempore do Brasil pela primeira vez. São muitas as novidades e são enormes os passos dados rumo a um futuro mais igualitário. A começar pela Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, que busca viabilizar parcerias, sejam técnicas ou financeiras, para que os países possam aderir e implementar programas de combate à fome e à pobreza. 

Este é intrinsecamente um tema sobre mulheres porque a pobreza tem cara, tem raça e, principalmente, tem gênero. No Brasil, mulheres negras (pretas e pardas, pela classificação do IBGE) são mais afetadas pelas desigualdades de renda, de acesso à educação e ao mercado de trabalho. Dentre as pessoas que, até 2022, viviam na linha da pobreza, 41,3% eram mulheres pretas ou pardas e 21,3%, mulheres brancas

As disparidades também estão explícitas no tempo que dedicam ao trabalho doméstico e aos cuidados com outras pessoas – o que, por sua vez, têm consequências para a menor taxa de participação no mercado de trabalho. Em 2022, elas dedicaram quase o dobro de tempo que homens com trabalho de cuidado.

Essas tarefas consumiram 21,3 horas semanais delas contra 11,7 horas deles. Por outro lado, ainda que mulheres sejam mais da metade das pessoas em idade de trabalhar no Brasil, a taxa de participação delas no mercado de trabalho remunerado foi de 53,3%, enquanto a dos homens: 73,2%. 

Sabemos que, em 2023, o Brasil alcançou o menor índice de pobreza desde 2012, segundo a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), e a razão é a ampliação do programa Bolsa Família que, naquele ano, atendeu 1 a cada 5 lares brasileiros. Inegavelmente, a evolução da renda familiar serviu de suporte para a redução das desigualdades e da miséria. 

É isso que, na prática, esperamos realizar com a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza: que iniciativas como o Bolsa Família sejam adaptadas aos contextos de cada país e que famílias, principalmente do Sul Global, deixem no passado a experiência de fome e de restrição. Porém, isso não é o suficiente se olharmos pela perspectiva das mulheres. 

Como vimos, o combate à miséria no caso delas também passa pelo combate à pobreza de tempo e aqui que o Grupo de Trabalho de Empoderamento das Mulheres (EWWG, em inglês) se demonstra visionário e corajoso.  

Visionário porque alia aquilo que sonhamos para o futuro com o que é mais concreto no nosso presente, o fato de o trabalho de cuidado não remunerado sustentar todas as vidas e, portanto, toda a economia global. E corajoso porque toca em uma ferida muito cara. Mais especificamente, cerca de US$ 10,8 trilhões ao ano para a economia mundial caso o trabalho de cuidado fosse remunerado com um salário mínimo, segundo dados da Oxfam. 

Em 9 e 10 de julho, o EWWG realizou a sua primeira entrega oficial, pactuada em consenso pelos países-membros e convidados da cúpula – o seminário internacional “O Trabalho de Cuidado e a Sustentabilidade da Vida e da Economia” – e a boa notícia é que a grande maioria dos membros do G20 sinalizaram que é necessário o reconhecimento do trabalho de cuidado como um dever coletivo: de mulheres e homens, do Estado e do setor privado.

O tema também foi debatido pelos Grupos de Trabalho de Emprego e de Comércio e Investimento e, em ambos os casos, tratado como um dos principais fatores para a baixa participação de mulheres no mercado de trabalho, especialmente no comércio exterior. 

Agora, nesta quarta-feira (24/7), esperamos que a reunião ministerial da Força-Tarefa Contra a Fome e a Pobreza possa adotar medidas para a inclusão dessa perspectiva entendendo que mulheres não querem só comida, “a gente quer comida, diversão e arte”. A gente não quer só dinheiro, a gente quer felicidade e uma vida por inteiro com tempo livre para estudar, desenvolver novas habilidades e crescer profissionalmente.  

G20. Trajetória conjunta e contínua: o processo de construção da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. 17 de julho de 2024. Disponível em: https://www.g20.org/pt-br/noticias/trajetoria-conjunta-e-continua-o-processo-de-construcao-da-alianca-global-contra-a-fome-e-a-pobreza  

G20. Ministros de Trabalho e Emprego do G20 debatem medição do trabalho do cuidado. 16 de julho de 2024. Disponível em: https://www.g20.org/pt-br/noticias/ministros-de-trabalho-e-emprego-do-g20-debatem-medicao-do-trabalho-do-cuidado 

G20. Mulheres enfrentam mais dificuldades para empreender e participar do comércio internacional. 27 de junho de 2024. Disponível em:  https://www.g20.org/pt-br/noticias/mulheres-enfrentam-mais-dificuldades-para-empreender-e-participar-do-comercio-internacional  

IBGE. Mulheres pretas ou pardas gastam mais tempo em tarefas domésticas, participam menos do mercado de trabalho e são mais afetadas pela pobreza. 8 de março de 2024. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/39358-mulheres-pretas-ou-pardas-gastam-mais-tempo-em-tarefas-domesticas-participam-menos-do-mercado-de-trabalho-e-sao-mais-afetadas-pela-pobreza 

MDS. Bolsa Família reduz desigualdades no Brasil, aponta PNAD Contínua do IBGE. 19 de abril de 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/bolsa-familia-reduz-desigualdades-no-brasil-aponta-pnad-continua-do-ibge 

OXFAM. Time to care: unpaid and underpaid care work and the global inequality crisis. Disponível em: https://www.oxfam.org/en/not-all-gaps-are-created-equal-true-value-care-work