Uma barreira invisível ao crédito

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Imagine uma barreira invisível, silenciosa, que dificulta a competição e encarece o crédito no Brasil. Essa barreira tem um nome técnico, pouco amigável: Ressarcimento de Custos de Originação (RCO). Mas não devemos nos intimidar pela nomenclatura ingrata. Esse “pedágio financeiro” tem impacto no seu bolso – e merece toda a nossa atenção.

Para entender melhor essa barreira, pense na seguinte situação: você encontrou uma instituição financeira que oferece condições de crédito mais vantajosas e decide transferir sua dívida (fazer uma portabilidade). Nesse processo, a instituição que te ofereceu as novas condições (a instituição proponente) precisa pagar um valor à instituição financeira onde você tinha o empréstimo original. Esse valor é precisamente o RCO.

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A justificativa para o RCO – que começou em 2013 – é que a instituição financeira original teve custos para conceder aquele empréstimo e, portanto, deveria ser ressarcida para cobrir os custos incorridos na concessão original do crédito. Contudo, o custo de originação de crédito caiu drasticamente na última década, com o avanço dos canais digitais.

Hoje, cerca de 95% das operações de crédito no Brasil são realizadas via aplicativos dos bancos ou via internet, com baixíssimo custo marginal. Na prática, o RCO evoluiu para um encargo desnecessário, que, contudo, continua a onerar o custo do crédito.

O RCO tem um impacto significativo. Dependendo do valor do contrato, ele alcança até 15% do saldo devedor. Nos financiamentos imobiliários, segundo estudo do Instituto Propague, o custo do RCO ultrapassa R$ 8.000 em determinadas operações. Para piorar, não há transparência sobre os critérios utilizados para calcular o RCO, já que os estudos que fundamentam esse valor não estão disponíveis publicamente.

O efeito prático do RCO é desestimular a portabilidade de crédito, que deveria ser um instrumento essencial para aumentar a competição bancária. Se uma instituição financeira oferece taxas melhores, mas precisa pagar uma tarifa elevada ao trazer um cliente, a portabilidade muitas vezes se viabiliza. Assim, o cliente acaba preso à instituição original, mesmo que haja opções mais vantajosas no mercado.

Em vários países, a portabilidade de crédito ocorre sem custos ou com custos limitados apenas para modalidades específicas, como hipotecas. No Brasil, o RCO se aplica a várias modalidades de crédito (como o crédito imobiliário, consignado público e privado, crédito pessoal, financiamento de veículos, cheque especial e capital de giro para pessoa jurídica). Isso torna nosso sistema uma exceção global – mais uma jabuticaba.

Ao funcionar como barreira à portabilidade de crédito, e havendo evidências de que esta portabilidade reduz spread e taxas de juros, o RCO é um dos fatores que devem contribuir para o elevado spread bancário (hoje, o terceiro mais alto do mundo) e para o alto custo do capital no país, dado que afeta de forma negativa a competição. E sabemos que juros mais altos têm consequências negativas, afetando consumo, investimento e crescimento.

Além disso, ao permitir que instituições financeiras menos eficientes sejam compensadas por seus custos operacionais elevados, o RCO desestimula a inovação e a busca por eficiência. Em vez de aprimorar processos para reduzir custos e atrair clientes, as instituições sabem que serão ressarcidas mesmo se perderem contratos. No fim, essa proteção a modelos ineficientes tem um preço social: quem paga a conta somos todos nós.

Há quem defenda que o RCO evita o chamado “comportamento de carona” (free riding). O argumento é que, sem essa tarifa, algumas instituições financeiras poderiam operar exclusivamente por meio da portabilidade, pegando clientes já prontos sem arcar com o custo da concessão do crédito original. Mas essa tese não se sustenta. O setor bancário é altamente regulado, com exigências rigorosas de capital, infraestrutura e compliance. Essas barreiras tornam inviável a existência de instituições dedicadas apenas à portabilidade.

Diversos estudos internacionais mostram que barreiras e custos de troca, como o RCO, aumentam a concentração bancária e reduzem a competição. Por exemplo, Egarius e Weill (2016) analisaram os mercados bancários da França, Alemanha e Itália e concluíram que custos elevados de portabilidade estão diretamente ligados a uma menor concorrência. Por sua vez, Stango (2002) estudou o mercado de cartões de crédito nos EUA e descobriu que os custos de troca explicam 25% da variação nas taxas de juros dos cartões.

Em suma, eliminar o RCO ajudaria a reduzir o elevado custo do crédito no Brasil. Não há justificativa convincente para manter essa barreira invisível de pé. Menos barreiras significam mais concorrência, e mais concorrência derruba preços. Se instituições financeiras querem reter clientes, que o façam oferecendo taxas, serviços e condições mais vantajosas – e não recorrendo a artifícios que limitam a concorrência.