Um retrato dos planos de governo das políticas de risco e desastres nas eleições 2024

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As eleições municipais no Brasil adotam uma estratégia distinta das eleições gerais. Enquanto estas buscam formar amplas coalizões partidárias em nível federal, as municipais são focadas em recursos financeiros, como o financiamento de campanhas e as emendas parlamentares. Nesse contexto, as alianças políticas costumam se desvincular da lógica nacional.

Pautas definidas em nível federal podem ou não se refletir localmente, dependendo da prioridade dos gestores municipais ou da relevância pública do tema. Nos últimos anos, questões de desastres e riscos se tornaram mais frequentes, mas o quadro nacional ainda é preocupante: 59,4% dos municípios carecem de instrumentos legais de gestão de desastres.

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Apesar disso, essa temática vem impactando as cidades de forma gradual e constante, através de, por exemplo, tempestades, estiagens e queimadas. A seca na Amazônia e as enchentes no Rio Grande do Sul foram os eventos climáticos mais severos e conhecidos de 2024, mas a vulnerabilidade dos municípios brasileiros é mais extensa. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em 2024, 90% dos municípios do nosso país teve alguma área sob risco climático.

Por isso, cada vez mais se torna indispensável se debruçar sobre os efeitos dos desastres no contexto político-eleitoral. Ainda que pesquisas que relacionam sobrevivência política e desastres sejam pouco desenvolvidas no Brasil, podemos utilizar referências internacionais para nos guiar. O cientista político Thomas A. Birkland, professor da NC State University, nos Estados Unidos, destaca em seus diversos estudos que os desastres podem atuar como catalisadores que elevam questões a uma posição de destaque na agenda pública e política.

A literatura que explora a relação entre política e desastres apresenta duas abordagens: a punição e a premiação. Pela ótica da punição, eleitores penalizam prefeitos que falham em responder adequadamente a desastres naturais. Já pela perspectiva da premiação, gestores que demonstram apoio e proximidade com a população afetada obtêm vantagens eleitorais, mesmo quando essas ações resultam de intervenções de outras esferas de governo, como a federal.

No Brasil, contudo, os resultados parecem não corresponder ao que a literatura internacional sugere. Um estudo intitulado “Desastres naturais, recursos federais de emergência e eleições municipais no Brasil (2012)”, por Anderson Henrique, defendido em 2021 no Departamento de Ciência Política, da Universidade Federal de Pernambuco, investigou as eleições municipais de 2012 e não encontrou evidências significativas que sustentam nenhuma das duas perspectivas. Os resultados indicaram que a ocorrência de desastres naturais não teve impacto relevante nos resultados eleitorais locais naquele ano.

O caso do Rio Grande do Sul: analisando os planos de governo dos candidatos

Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou uma das maiores tragédias naturais de sua história, com chuvas recordes que resultaram em enchentes devastadoras e afetaram diretamente a vida de milhões de pessoas. A capital, Porto Alegre, registrou 564 mm de precipitação ao longo do mês, quase cinco vezes acima do normal para o período e o maior volume de chuvas para maio desde o início da série histórica em 1916. Em todo o estado, 20 municípios acumularam volumes superiores a 500 mm de chuva, que estão representados na Figura 1.

Figura 1: Precipitação pluvial em maio de 2024 no Rio Grande do Sul, destaque para cidades com mais de 500 mm de chuva

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Governo do Rio Grande do Sul, através do Comunicado Agrometeorológico, maio 2024

Como um evento climático extremo como o das enchentes no RS impactam a formação de agenda local? Uma pergunta como essa pode ser respondida a partir dos programas de governo dos candidatos nas eleições municipais de 2024. Desde 2009, candidatos a cargos majoritários, como o de prefeito, precisam apresentar junto ao registro de candidatura um documento contendo propostas de governo, o que chamamos de programas.

Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB) foi reeleito no segundo turno contra a deputada Maria do Rosário (PT). Melo se destacou durante os dias mais difíceis das enchentes como um político presente, demonstrando prontidão para recuperar a cidade. Crises revelam oportunidades políticas e aumentam a exposição de quem está no poder. No seu programa de governo, o prefeito dedicou um capítulo para tratar especificamente dos danos causados pelas chuvas e do plano de recuperação da cidade.

Infelizmente, esse ainda é um debate incipiente na agenda de políticas públicas no Brasil. O tema só ganha destaque quando casos extremos acontecem, como o colapso das barragens de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e os deslizamentos em Petrópolis (RJ) e no Recife (PE).

Muitos dos gestores locais ainda não compreendem a importância de tratar desse tema de forma contínua na agenda estatal brasileira, tanto em termos institucionais quanto orçamentários. Acreditamos ser necessário um debate amplo em todas as esferas de governo — federal, estadual e municipal — para abordar o tema de forma coordenada e permanente. Com o avanço das mudanças climáticas, a população mais vulnerável, especialmente os mais pobres, sofrerá diretamente os impactos dessa transformação.

Em um estudo conduzido por Arthur S. Lira na CESAR School (no prelo para divulgação), no Recife, foi identificado que, nas eleições municipais de 2024 no Rio Grande do Sul, o termo “enchente” apareceu com maior frequência absoluta e proporcional nos planos de governo, em comparação a outros estados da federação. Esse dado indica a saliência do tema para o estado, mostrando que as enchentes de maio de 2024 pautaram as eleições municipais gaúchas.

Gráfico 1: Número absoluto de ocorrências do termo ‘enchente’ por estado nos planos de governo

Fonte: Elaboração própria a partir dos programas de governo dos candidatos a prefeito nas eleições 2024

Política preventiva de desastres naturais

A primeira barreira para a implementação de políticas preventivas de desastres está relacionada ao interesse dos políticos e à expectativa de retorno eleitoral. Apesar de ser um tema de extrema relevância para a população, o retorno eleitoral de políticas preventivas ainda é muito baixo.

Alguns estudos encontraram efeitos positivos apenas em políticas assistenciais realizadas ex-post, ou seja, após os desastres. O retorno eleitoral é mais facilmente encontrado em políticas de auxílio financeiro direto à população, como linhas de crédito e auxílios emergenciais, do que por obras e ações que evitem maiores transtornos por desastres naturais.

Para superar essa barreira de interesses individuais, é necessário enfrentar a barreira institucional, criando leis permanentes e robustas capazes de estabelecer políticas de contenção e prevenção de desastres em todos os níveis de governo. Além disso, é fundamental contar com um corpo técnico especializado, preparado e equipado para lidar com esses problemas, que frequentemente desafiam a capacidade estatal dos municípios atingidos. Também é crucial fortalecer os órgãos de controle, para evitar casos de má gestão de recursos e corrupção.

Por fim, e não menos importante, o orçamento brasileiro deve prever mais recursos e mecanismos ágeis de auxílio. Estados e municípios precisam incorporar em suas peças orçamentárias recursos reservados especificamente para essa finalidade. Com isso, é possível construir uma resposta mais eficaz e coordenada para os desafios impostos pelos desastres naturais.