Os últimos anos possibilitaram uma mudança de paradigma no direito tributário, principalmente nas formas com as quais os contribuintes se relacionam com a Administração Pública. O advento dos meios alternativos de solução de controvérsia foi importante para a recuperação de valores aos cofres públicos, especialmente no âmbito federal.
Apesar de a transação estar prevista no ordenamento jurídico como forma de extinção do crédito tributário, apenas em 2019 é que foi regulamentada pela Medida Provisória 889/2019, posteriormente convertida na Lei 13.988/2020.
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Referido comportamento decorre de movimentação internacional, sendo o estreitamento da relação fisco-contribuinte e a criação de políticas fiscais e compliance tributário pautas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A transação tributária, portanto, consiste em instrumento celebrado entre contribuinte e administração tributária competente, mediante concessões mútuas, e poderá ocorrer tanto na fase de cobrança (casos em que já há inscrição do débito e/ou execução fiscal) como na fase do contencioso (contencioso administrativo ou judicial).
Todavia, o ordenamento jurídico tributário sofreu significativa alteração com a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, que alterou o Sistema Tributário Nacional criando a Contribuição sobre Bens e Serviços (competência federal) e o Imposto sobre Bens e Serviços (competência compartilhada entre estados, Distrito Federal e municípios), de modo que cada ente federativo fixará a sua alíquota mediante lei específica (art. 156-A, §1º, inciso V da CF/88).
Apesar de a simplificação ser a força motriz da reforma tributária, esqueceu-se de observar o impacto que causará ao contencioso tributário judicial, bem como aos meios alternativos de cobrança. Algumas inquietações para os advogados que atuam no setor surgem quanto ao critério subjetivo, como eventual litisconsórcio obrigatório entre os entes federados e ainda, com relação à própria competência do Poder Judiciário para avaliar a matéria.
Segundo o Código de Processo Civil, haverá litisconsórcio necessário (obrigatório) quando o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes, todavia em uma competência compartilhada sob a qual cada ente poderá regular a sua alíquota (art. 14 do PLP 68/2024) a sentença de fato impactará o ente que não constou do polo passivo da ação? Como será promovida a execução fiscal? Passando para os meios alternativos, como se operacionalizará a transação tributária?
Ora, não há dúvidas de que sob o viés normativo os novos tributos podem ser vistos como gêmeos, uma vez que todos os demais aspectos (base de cálculo, fato gerador, hipóteses de não incidência e imunidade, sujeitos passivos, não cumulatividade) são idênticos para o IBS e a CBS. Logo, não há sentido a segregação dos esforços entre os entes federativos, mas sim, a efetiva necessidade de se promover uma gestão compartilhada, inclusive para a criação e regulamentação da transação tributária.
Não se está dizendo que se deve utilizar as normas da transação federal de modo a submeter os estados, Distrito Federal e municípios mas seria proveitoso estabelecer um consenso para se chegar a um método único, de caráter nacional, para a resolução de litígios envolvendo a tributação do consumo, sem prejuízo da autonomia da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios na regulamentação dos métodos alternativos sobre os tributos remanescentes de suas competências, como é o caso do IPTU, por exemplo.
O ponto de atenção que se deve ter é a necessidade de se pensar a simplificação do direito material também para o direito processual, pois as competências tributárias, que foram concedidas pela Constituição Federal, serão imbricadas, e apesar de todos os esforços existentes no âmbito material, o processo tributário se pauta nos princípios do acesso à justiça, da razoável duração do processo e da ausência de decisões conflitantes.
Tais princípios poderão ser mitigados com a manutenção das competências processuais atualmente positivadas. Mas não é só. É preciso pensar sobre as formas como as decisões proferidas serão válidas, eficazes e executáveis, tanto para os contribuintes quanto para a própria Administração Pública.
O sistema de precedentes estabelecido pelo Código de Processo Civil de 2015 encontrará nos próximos anos o seu maior desafio: manter a linearidade das decisões em competências compartilhadas.
De se destacar, ainda, que o próprio PLP 68 demonstra a preocupação com a manutenção da segurança jurídica, não por outro motivo indica a Criação de Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias (artigo 318, inciso I) formado por representantes da Receita Federal e do Comitê Gestor, conferindo-lhe competência para uniformizar a regulamentação e a interpretação da legislação e prevenir litígios relativos às normas comuns aplicáveis ao IBS e à CBS, sendo certo que as resoluções aprovadas configurarão norma tributária complementar, nos termos do artigo 100 do CTN, se mantida a redação do parágrafo único do artigo 320.
Todavia, a reforma tributária da forma como posta possui verdadeiro potencial de aumento do contencioso judicial, principalmente em um ambiente federativo que impulsionará a pulverização da discussão quanto à materialidade dos tributos, possibilitando que a mesma discussão se dê tanto na esfera estadual, quanto na federal (do Poder Judiciário).
Não se desconhece que os artigos 325 e 326 admitem a celebração de convênio para a delegação recíproca da atividade de fiscalização em pequeno valor, e para julgamento de contencioso administrativo, mas mais do que julgar é preciso unir esforços para evitar o contencioso, inclusive, o administrativo.
Para tanto, imperioso que a legislação nacional volte seus olhos para a criação de regras uniformes no que tange às concessões mútuas para a publicação dos editais de transação tributária, principalmente quando há realidades muito díspares no país e um dos objetivos fundamentais da República é a redução de desigualdades sociais e regionais.
É preciso ter em mente que a simplificação do direito material e processual (inclusive dos meios alternativos de solução de controvérsia) pode significar importante elemento de incentivo ao compliance tributário, diminuindo o tax gap[1] brasileiro e possibilitando o fortalecimento das políticas fiscais no país.
[1] A ideia de tax gap corresponde a diferença entre a arrecadação esperada e a efetivamente auferida pela administração tributária.