Um Nobel à destruição (criativa) das instituições

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A decisão do Comitê do Nobel de reconhecer Joel Mokyr ao lado de Philippe Aghion e Peter Howitt é mais do que uma homenagem à inovação ou à destruição criativa schumpeteriana. É, sobretudo, um prêmio aos pré‑requisitos intelectuais e institucionais do crescimento econômico: ideias e arranjos que abrem a sociedade ao novo e fortalecem a concorrência. Para o estudante do direito, a mensagem a se aprender é: não há crescimento duradouro sem uma ordem jurídica e política que tolere, e, às vezes, exija, a “destruição” de práticas, privilégios e tutelas que mantêm a estagnação.

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A premiação do Nobel de Economia divide o tema em dois blocos. Mokyr explica por que o crescimento moderno é capaz de aflorar: as condições culturais e institucionais que converteram conhecimento em progresso cumulativo. Aghion e Howitt modelam como esse progresso se desdobra no tempo: a mecânica da destruição criativa, com entradas e saídas de empresas, saltos de qualidade e deslocamento contínuo de recursos para usos mais produtivos.

A contribuição central de Mokyr distingue dois tipos de conhecimento útil: o proposicional (“saber que”) e o prescritivo (“saber como”). O salto europeu entre 1700 e 1850 decorre da junção entre esses dois saberes: a ciência passou a alimentar a oficina e a oficina passou a pressionar a ciência. Essa engrenagem ganhou uma infraestrutura social, a “República das Letras”, um mercado de ideias com baixa barreira de entrada, regras quanto à credibilidade e à crítica e competição entre jurisdições: o embrião de uma “cultura de crescimento”.

Se o Nobel a Douglas North em 1993 consagrou que sociedades abertas, e não arranjos fechados, sustentam o progresso, o de Joel Mokyr lembra que o Iluminismo só virou crescimento quando a tolerância intelectual deu espaço aos praticantes para converter ciência em técnica, apesar da resistência de interesses estabelecidos.

Aqui um trecho do estudo do Comitê do Nobel que, a meu ver, melhor condensa o sentido do prêmio conferido a Mokyr:

“Uma sociedade aberta à mudança. O Iluminismo não apenas ajudou a ampliar o escopo do conhecimento proposicional e suas conexões com o uso prático, como também orientou as mudanças sociais necessárias para liberar na sociedade as forças disruptivas da destruição criativa. Ao inaugurar uma literatura sobre a economia política da mudança tecnológica, Mokyr (1990a, 1992) explicou a fragilidade do processo de destruição criativa. Mokyr documentou que a resistência à tecnologia, fenômeno amplamente ignorado por historiadores, foi onipresente ao longo da história e muitas vezes provinha de interesses estabelecidos. Esses interesses estabelecidos envolviam aqueles cujos ativos (isto é, qualificações formais, conhecimento tácito, reputação, equipamentos especializados, propriedade de determinados recursos naturais ou barreiras à entrada que lhes garantiam posições monopolistas etc.) eram de algum modo ameaçados pelas novas invenções. Interesses estabelecidos também podiam ser identificados entre intelectuais que se opunham por princípio às novas tecnologias (estes últimos sendo a principal preocupação de Schumpeter (1942)). Com o Iluminismo, porém, ocorreu uma mudança cultural nas crenças e atitudes humanas em relação à natureza. Uma nova disposição para colocar a natureza a serviço das necessidades humanas ajudou a superar as barreiras à mudança tecnológica ao criar uma “cultura do crescimento” que formou a base para a mudança social e institucional. Especificamente, o Iluminismo preparou o terreno para novas instituições suficientemente flexíveis para incentivar a competição entre grupos de interesse e permitir que os vencedores compensassem os perdedores, por exemplo, por meio de parlamentos em funcionamento, nos quais representantes de diferentes grupos de interesse pudessem se reunir e negociar suas reivindicações. Com essas mudanças sociais em vigor, as forças da destruição criativa puderam ser liberadas na sociedade pela primeira vez.”[1]

O modelo de Aghion e Howitt mostra que inovações verticais rendem lucros temporários ao líder de hoje e empurram o incumbente de ontem à perda de relevância. No agregado, o crescimento é estável; no nível das empresas, é turbulento. Esse aparente paradoxo (estabilidade macro com agitação micro) se resolve porque os saltos setoriais são dessincronizados: umas empresas e indústrias emergem enquanto outras se esgotam. Daí o trade-off normativo: proteção excessiva de incumbentes elimina o incentivo a inovar, enquanto competição predatória reduz os retornos à inovação e desestimula P&D. O resultado é a conhecida relação em “U invertido” entre pressão competitiva e inovação.

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Conheci Mokyr pela curiosidade com o Iluminismo e permaneci pela clareza com que ele conecta história das ideias e economia. Há muito merecia esse reconhecimento pela força explicativa e pela escrita de alta qualidade. The Enlightened Economy é meu favorito e recomendo a leitura.

Se a destruição criativa precisa de instituições que aceitem a mudança, nosso trabalho, como juristas e estudantes da sociedade, é identificar quem arca com os custos da mudança e quem tem meios institucionais de resistir a ela. Em termos de incentivos: mapear os “interesses investidos” (capital específico, direitos adquiridos, prestígio profissional e privilégios regulatórios) e perguntar como o ordenamento enfrenta o conflito entre difusão do novo e proteção do velho. Cinco testes práticos traduzem essa agenda para o direito:

  • Entrada: a norma reduz custos à experimentação ou institucionaliza a permanência do status quo?
  • Pluralismo: o processo decisório é aberto à contestação ou fechado por decisões discricionárias?
  • Adaptação: há mecanismos ex post de ajuste que evitem proibições ex ante ao novo?
  • Difusão do conhecimento: dados e proteção intelectual equilibram incentivo e acesso ao uso do conhecimento existente?
  • Accountability: transparência e auditoria limitam a captura regulatória?

Esses testes favorecem o empreendedor, o artesão moderno, cuja imaginação aplicada torna o avanço científico economicamente relevante. Quando o direito se alinha ao vetor inovador, torna-se plataforma de crescimento; quando se opõe, converte-se em barreira de entrada que protege coalizões organizadas.

Concluindo, crescimento é fenômeno mediado por instituições abertas à mudança e à pluralidade. Ideias viram riqueza quando o novo pode deslocar o velho. Para o Brasil, o caminho passa por parlamentos que funcionam, por regulação que compare custos dinâmicos (não só estáticos) e por processos que remunerem a recombinação de conhecimento em vez de proteger o capital específico de ontem. Em termos simples: celebrar a destruição criativa é, antes, premiar instituições capazes de se deixar destruir e reconstruir pelo progresso.

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[1] https://www.nobelprize.org/uploads/2025/10/advanced-economicsciencesprize2025.pdf