É inegável que muitas políticas públicas hoje são feitas pelo Judiciário. Sendo o Brasil um caso único em litigância – nem mesmo a Índia, quase sete vezes mais populosa, tem tantos processos –, dar conta dessa missão exige cada vez mais ciência, e menos ideologia e convicções políticas.
O país apostou em um texto constitucional dotado de alta vagueza semântica, o que dá muito espaço para a atuação ideológica quando da aplicação dos princípios jurídicos a casos concretos. Já dizia Kelsen que a interpretação jurídica feita pelas cortes envolvem escolhas político-ideológicas dentre os sentidos possíveis. Nesse sentido, é muito difícil separar política e direito, assim como ideologia de direito constitucional. Sem algum controle científico, estatístico, aquelas escolhas de políticas públicas e de interpretação jurídica se tornam mais ideológicas e mais controversas.
Nessa toada, o Judiciário faz política pública quando limita a atuação da polícia do Rio, estabelece as regras sanitárias durante a pandemia, define o preço (ou extensão de cobertura) de um plano de saúde. Mas nem as cortes, nem a dogmática jurídica, têm aparato para dar conta dessa complexidade. Do jeito que está nosso desenho institucional, o Poder Judiciário, substituindo funções do Executivo e do Legislativo, terá de buscar socorro em outras áreas do conhecimento.
Nesse sentido, a grande tendência hoje em política pública, para evitar a atuação puramente político-ideológica, é o uso de evidências. Na ausência delas, o político (inclusive os juízes) se guiam pela emoção dos eleitores ou jurisdicionados. Entregam para as pessoas o que precisa para ser eleito ou decidido para evitar o “cancelamento” nas redes sociais. Ou seja, ideologicamente, políticos ou juízes demagogos podem dizer para as pessoas não se vacinarem, mas aí vem a ciência e recomenda que se vacinem, porque trazem as evidências (isto é, baseado nas estatísticas, ao olhar para trás, em outras epidemias, fica evidente que o risco de quem não se vacinar é imensamente maior do que não se vacinar). O mesmo vale para o negacionismo econômico que prega irresponsabilidade fiscal, afinal, como dizia Ripert, quando o Direito não leva em conta a realidade, a realidade se vinga!
Diante de saídas simplistas, populares ou bem-intencionadas, ao analisar questões como o preço do plano de saúde, a punição pelo atraso do avião, a licença para um transporte via aplicativo, é fundamental antecipar os efeitos, ou, na prática, quem acabará sendo punido, que, na maioria das vezes, como o passado e evidências demonstram, serão os consumidores via preços mais altos ou os contribuintes com mais impostos. Decisões judiciais muito fáceis e ideológicas talvez não sejam o melhor caminho para a própria sociedade.
Um exemplo é o setor aéreo no Brasil. Sofre com uma litigância desproporcional. Emocionalmente todo mundo que perdeu um voo pode ver um motivo para ser indenizado. Caso isso ocorra, porém, essa despesa da companhia irá compor o preço, e ele continuará aumentando, com frequência, porque a infraestrutura brasileira é pobre.
Outro tema recente é o dos apagões de energia. Ao tratá-los, é preciso lembrar que eventos extremos são imprevisíveis. Talvez com a repetição deles, daqui a dois, três anos, seja possível identificar um novo padrão estatístico e isso compor o preço. Antes disso, é simplista culpar uma concessionária por um evento extremo. É mais complexo. É preciso buscar as causas raiz com evidências científicas. Pode ser que a prefeitura não tenha feito a poda das árvores como deveria, por exemplo.
E toda decisão judicial ou regulatória traz efeitos: caso se chegue à conclusão de que a solução é colocar a fiação elétrica para baixo da terra, o que multiplicaria o custo, é necessário ver quem vai pagar a conta. A ciência ajuda a resolver esses dilemas, se quisermos trabalhar com evidências, em vez de seguir com crenças ou dogmas ideológico-políticos.
Outro exemplo são as plataformas de entrega. Para o consumidor, ter de se deslocar até um local para adquirir ou consumir um produto é menos eficiente do que recebê-lo em casa. Se aumentar o risco de condenações judiciais ao prestar o serviço, as empresas começarão a jogar no preço o risco de condenação. Pena que os representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) nunca tenham passado pela dificuldade de abrir e fechar uma empresa no Brasil.
Além de nos alertar para esse risco de decisões em políticas públicas puramente ideológicas sem nenhum substrato científico, a Análise Econômica do Direito vem socorrer a própria gestão do Judiciário. Não há mais como no Brasil a gente sobreviver a esse grau de judicialização.
Já são 80 milhões de processos, quase o triplo do litígio no país asiático de 1,4 bilhão de habitantes. Além de serem muitos, 50% deles já foram julgados, ou seja, o Judiciário não segue os seus próprios precedentes. Essa indesejável liderança no ranking custa caro: R$ 100 bilhões é o que nós, brasileiros, gastamos por ano com disputas judiciais. Cem vezes mais do que investimos em saneamento básico. Para rever essa desproporção, um caminho imperativo é a economia.
Pouco se prestava atenção nessa corrente há 15 anos, no primeiro Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). No encontro deste ano, nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, na PUC-PR, em Curitiba, o quadro é bem diferente. Houve avanços consideráveis nos últimos anos. Quando presidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), entre 2020 e 2022, o ministro Luiz Fux colocou a economia como matéria obrigatória em concursos públicos.
Também é significativo que o ministro Luís Roberto Barroso, ao assumir a presidência do STF, tenha chamado para a sua equipe Guilherme Resende, até então economista-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
O Judiciário precisa se racionalizar, e a Análise Econômica do Direito, com evidências, tem muito a contribuir. Trará dados para decisões de maior qualidade. E ajudará a sociedade a gastar melhor, atendendo os mais necessitados.