A concessão de benefícios fiscais aos defensivos agrícolas ocupa, atualmente, o centro de um dos debates mais sensíveis do cenário nacional: o delicado equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental. De um lado, argumentos produtivos em defesa da competitividade do agronegócio; de outro, críticas de ambientalistas e de setores da sociedade civil que alertam para os riscos à saúde humana e ao meio ambiente.
Nesse contexto de tensões, impõe-se uma indagação fundamental: a desoneração tributária conferida aos fitossanitários configura uma escolha legítima de política pública voltada ao desenvolvimento nacional ou representa um retrocesso frente aos potenciais impactos ambientais atrelado ao uso dos defensivos?
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O Supremo Tribunal Federal (STF) ocupa posição central nesse debate ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.553, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Sob a premissa de que tais incentivos fiscais fomentariam, de forma indiscriminada, o uso de defensivos agrícolas pelo agronegócio — em afronta a pilares constitucionais do direito tributário e ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado — a ADI põe em xeque a constitucionalidade das normas concessivas de benefícios fiscais aos pesticidas , notadamente as Cláusulas Primeira e Terceira do Convênio 100/1997 do Confaz, além da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), disposta no Decreto 7.660/2011.
Ocorre que, neste cenário, uma eventual revogação do atual modelo de tributação poderia desencadear um verdadeiro “efeito dominó”: o aumento do custo da matéria-prima encareceria a produção agrícola, impactando diretamente os preços dos alimentos ao consumidor final e comprometendo a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional.
À luz dessas implicações uma eventual declaração de inconstitucionalidade por parte da Suprema Corte deve ser analisada com a devida cautela, considerando a conjuntura jurídica econômica e produtiva do país.
A Constituição Federal, nos artigos 153, § 3º, I, e 155, § 2º, III, prevê que a carga tributária deve ser modulada conforme a essencialidade dos bens e serviços. Sob tal ótica, o regime de desoneração fiscal relativo aos defensivos agrícolas encontra respaldo constitucional, na medida em que a lógica da seletividade tributária ultrapassa o consumo imediato, devendo ser interpretada com base na relevância dos insumos para a produção agrícola e para a segurança alimentar da população.
Mais do que um mecanismo arrecadatório, o tributo exerce função extrafiscal. Pode — e deve — ser utilizado para induzir condutas econômicas desejáveis, desde que dentro dos marcos constitucionais. Foi com base nesse entendimento que o STF já reconheceu, por diversas vezes, a legitimidade da concessão de incentivos fiscais pelo Legislativo ou pelo Executivo.
No caso dos defensivos agrícolas, a redução tributária não afronta o sistema fiscal, mas reflete uma escolha legítima de política pública voltada à estabilidade econômica e à segurança alimentar — diretrizes que, cumpre destacar, também estão previstas na Constituição. Por isso, em respeito à separação de poderes, a atuação do Judiciário nesse campo exige autocontenção, sob pena de ultrapassar os limites institucionais e interferir em decisões que pertencem ao espaço de conformação técnica e política reservado aos demais Poderes.
Superado o aspecto tributário, cabe examinar outro ponto sensível: seria a desoneração em si suficiente para configurar violação ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado?
A resposta, com base no próprio texto constitucional, é negativa. O art. 225 da Constituição Federal assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas não como um princípio absoluto, capaz de anular por completo outras diretrizes constitucionais. O simples fato de uma atividade gerar impactos ambientais não torna sua existência inconstitucional. Cabe à política pública regulá-la, não suprimi-la.
Com frequência, o avanço de certos objetivos constitucionais exige ponderação entre valores igualmente relevantes. A Constituição protege os recursos naturais (art. 225, CRFB), mas também consagra, como fundamentos do Estado brasileiro, o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CRFB), a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III; art. 170, VII, CRFB).
Política ambiental e política fiscal precisam dialogar — não se anular. Cabe ao legislador construir um modelo de desenvolvimento que una incentivos à produção com critérios técnicos de controle e mitigação ambiental, promovendo soluções regulatórias integradas, eficazes e verdadeiramente sustentáveis.
Não se trata de impor sacrifícios unilaterais à estrutura produtiva nacional, mas de equilibrar interesses legítimos em prol do bem comum. Nesse cenário, a aplicação do princípio in dubio pro natura não pode ser automática ou irrestrita. Quando há colisão com outros direitos fundamentais, é o princípio da proporcionalidade que deve orientar a decisão, garantindo equilíbrio entre proteção ambiental e os demais valores constitucionais.
Reconhecida a constitucionalidade da política fiscal em análise, impõe-se considerar, com igual atenção, os seus efeitos concretos. O Direito não se resume a construções abstratas — suas decisões produzem repercussões reais no cotidiano da sociedade.
Conforme dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a supressão das isenções fiscais anteriormente concedidas aos defensivos agrícolas implicaria um aumento significativo nos custos de produção, com potenciais prejuízos à competitividade do setor e reflexos diretos no preço final dos alimentos para o consumidor. Estima-se, ainda, uma possível redução de até 50% na produção agrícola nacional, com impactos relevantes sobre o PIB e a segurança alimentar do país.
Outro aspecto relevante a ser considerado é a particularidade do clima brasileiro, predominantemente tropical – quente e úmido, que favorece a proliferação de pragas e doenças agrícolas, tornando a utilização de produtos fitossanitários uma medida indispensável à garantia da produtividade e à prevenção de perdas severas. Longe de ser arbitrária, sua aplicação é tecnicamente orientada e essencial à manutenção da atividade rural em larga escala.
Nesse contexto, o uso de defensivos agrícolas contribui para diversos benefícios: aumento da produtividade, redução dos preços dos alimentos, menor necessidade de área plantada para alcançar elevados níveis de produção e, consequentemente, mitigação da pressão por desmatamento.
Não obstante, um dos principais argumentos sustentados por aqueles que defendem a inconstitucionalidade das isenções fiscais é o de que sua manutenção estimularia o uso excessivo de defensivos, os quais, segundo essa linha de raciocínio, representariam riscos à saúde humana e ao meio ambiente. A premissa subjacente é a de que a retirada dos benefícios fiscais reduziria o consumo desses insumos.
Tal entendimento, contudo, não se sustenta. A utilização de defensivos agrícolas está intrinsecamente vinculada a fatores objetivos, como a extensão da área cultivada, o tipo de cultura desenvolvida e as condições ambientais específicas da produção — e não ao custo do insumo em si. A analogia é didática: não se aumenta o consumo de antibióticos pelo simples fato de possivelmente gozarem de isenções tributárias, da mesma forma que não se intensifica a pulverização de lavouras apenas por haver incentivos fiscais.
Ademais, é importante destacar que o aumento da carga tributária sobre defensivos agrícolas, por envolver tributos indiretos, tende a ser repassado integralmente ao consumidor final, elevando os preços dos alimentos. Assim, a tese de que a elevação de preços reduziria o uso desses produtos ignora a lógica da cadeia produtiva agrícola e, paradoxalmente, penaliza justamente quem se pretende proteger: o consumidor. Trata-se, em última análise, de uma política regressiva e ineficaz — verdadeiro “tiro no pé” daqueles que defendem a retirada dos benefícios fiscais sob o argumento de proteção ambiental ou sanitária.
É justamente por isso que o debate exige aprofundamento e responsabilidade. A proteção ao meio ambiente é, sem dúvida, um valor constitucional central, mas sua efetivação deve se pautar por dados concretos, critérios técnicos e racionalidade jurídica. Decisões judiciais que desconsideram os impactos econômicos e sociais de seus fundamentos correm o risco de se transformar em armadilhas retóricas — construções normativas idealizadas, porém dissociadas da realidade fática e produtiva do país.
Como já advertia Thomas More em sua célebre Utopia, imaginar sociedades ideais sem considerar as limitações do mundo concreto é sedutor, mas perigoso. Aqueles que acreditam que o fim dos benefícios fiscais aos defensivos levará, por si só, à erradicação de seu uso — e não ao colapso sistêmico da produção — alimentam uma ilusão.
A expectativa pelo desfecho da ADI 5.553 é significativa. Após a audiência pública realizada em novembro de 2024, o julgamento é aguardado com atenção redobrada. Espera-se que a Suprema Corte, ao decidir, esteja atenta à complexidade da matéria, ao compromisso com a realidade nacional e à necessária ponderação entre os múltiplos valores constitucionais envolvidos — especialmente o delicado entrelaçamento entre política fiscal, produtividade agrícola e os limites estruturais do sistema agroalimentar brasileiro. A escolha, afinal, não é entre meio ambiente ou desenvolvimento, mas sobre como viabilizar a convivência responsável e constitucional entre ambos.