Tributação em 15% ‘é uma ideia ruim, mas não há nada que se possa fazer’

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Estudada pelo governo brasileiro, a tributação mínima global é uma proposta que “não beneficia nenhum país em desenvolvimento, incluindo o Brasil”. A opinião é da advogada colombiana Natalia Quiñones, especialista em tributação internacional e vice-presidente da International Fiscal Association (IFA).

As críticas da advogada vêm após a Colômbia implementar o modelo proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), instituindo uma alíquota mínima de 15% de Imposto de Renda às companhias nacionais. Como “efeito colateral”, entretanto, o país se deparou com a saída de empresas e com a perda de eficácia de benefícios fiscais. Segundo Quiñones, mesmo os incentivos “sociais”, como os voltados ao desenvolvimento de regiões afetadas pelo conflito armado que afetou a Colômbia no passado, se tornaram menos atrativos com o imposto mínimo.

A vice-presidente da IFA, entretanto, admite que há pouco o que fazer, frente à quantidade de países que já adotaram as novas regras. Essas jurisdições, de acordo com as diretrizes estabelecidas pela OCDE, poderão cobrar a diferença de alíquota caso identifiquem que empresas de outros países estão sujeitas a uma alíquota de Imposto de Renda inferior a 15%.

Ao JOTA, Quiñones ainda comentou outras alterações tributárias recentes feitas pelo Brasil, mas que já foram implementadas pela Colômbia há tempos. Um exemplo é o cálculo do preço de transferência de acordo com o princípio arm’s length, que, segundo a advogada, é responsável pela maior parte do contencioso colombiano em termos de valor.

Por fim, em relação à reforma tributária, a especialista em tributação internacional comentou a última grande alteração realizada pela Colômbia em 2022, quando, entre outros pontos, foi elevada a tributação dos mais ricos. Segundo Quiñones, a medida divide opiniões, sendo apontada, por um lado, como redutora de desigualdades e, por outro, como um obstáculo à competitividade.

Imposto mínimo global

O imposto mínimo global, estudado pela Fazenda para envio ao Congresso ainda em 2024, consta no chamado Pilar 2 do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), de iniciativa da OCDE. A diretriz prevê uma tributação mínima de 15% de Imposto de Renda a todas as empresas com faturamento anual acima de € 750 milhões.

A proposta tenta garantir, a nível global, uma concorrência justa entre companhias, fechando brechas para planejamentos tributários abusivos e impedindo que multinacionais sejam pouco tributadas.

A experiência colombiana com a medida, entretanto, mostra que as alterações podem ter alguns “efeitos colaterais” indesejados aos países em desenvolvimento, segundo Quiñones. No caso da Colômbia, segundo a especialista em tributação internacional, o primeiro erro foi não aplicar as mudanças tal qual defende a OCDE. Isso se deu, principalmente, pelo fato de o país não ter determinado que deveriam observar a tributação mínima de 15% apenas as empresas com faturamento anual acima de € 750 milhões.

“Isso causou uma saída de capitais significativa da Colômbia, entre outros [motivos] porque a Colômbia é o único [país] que tem esse tipo de medida na nossa região”, afirmou.

Outro efeito da alteração na esfera tributária, segundo Quiñones, foi o fato de que, com a alíquota mínima de 15%, diversos benefícios fiscais foram, na prática, anulados, já que foram responsáveis pela redução da tributação abaixo do mínimo permitido. A lista inclui incentivos “sociais”, como os voltados a desenvolver áreas atingidas pelo conflito armado que durante anos atingiu a Colômbia.

“O Estado te oferece que invista em novas energias, em energias limpas, em conservação, em reflorestamento, no cinema, em pesquisa e em desenvolvimento. Você terá um tratamento mais favorável. Mas depois te diz que esse favorecimento está limitado a 15%, o que não é tão favorável”, diz.

O temor também é compartilhado por especialistas brasileiros. Isso porque, por mais que o Brasil possua uma alíquota de 34% de IRPJ e CSLL no Lucro Real, as regras para cálculo do Imposto de Renda fixadas pela OCDE não coincidem com as nossas diretrizes. Benefícios tributários, assim, poderiam fazer com que as empresas, para fins de cálculo do imposto mínimo global, ficassem abaixo dos 15%.

Quiñones, porém, vai além: para ela, as regras alinhadas pela OCDE por meio do Pilar 2 não são negativas apenas à Colômbia, mas a todos os países em desenvolvimento, como os que compõem a América Latina. “Para mim, no geral, o Pilar 2 parece uma medida pouco benéfica para a nossa região. Porém ela já foi aprovada por vários países do Norte, então o mínimo que podemos fazer é tratar de adotar algo a nível doméstico para que, pelo menos, esse dinheiro não vá a outro país”, afirma.

A tributarista faz referência ao fato de que, pelas regras da OCDE, países que aderiram às regras tributárias poderão cobrar o diferencial caso identifiquem que empresas de outra jurisdição pagam menos de 15% de Imposto de Renda. Mais de 40 países já aderiram, entre eles os pertencentes à União Europeia, além de Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul, Emirados Árabes e África do Sul.

Para a especialista em tributação internacional, a experiência colombiana mostra a importância de que os países, ao implementarem a alíquota mínima de 15%, sigam as regras da OCDE e busquem a assessoria da organização. “Já que [o país] vai implementar [a tributação mínima global], muito melhor que implemente com as regras que existem, para que possa se inserir no sistema e ao menos não perder competitividade regional para a atração de investimentos”, pontua.

Preço de transferência

Outra medida recentemente implementada pelo Brasil, porém já usada pela Colômbia, é o cálculo dos preços de transferência de acordo com o princípio arm’s length. Quiñones, entretanto, alerta que a metodologia está atrelada a uma alta judicialização no país. 

A regra alinhada pela OCDE prevê que, para o cálculo dos tributos incidentes em operações internacionais feitas entre empresas ligadas, sejam observadas as condições que seriam aplicadas entre companhias independentes. A dificuldade de encontrar esses preços comparáveis, segundo Quiñones, é a origem do grande número de processos judiciais sobre o assunto.

“Aqui na Colômbia, a administração, a DIAN [Dirección de Impuestos y Aduanas Nacionales], gosta muito de comparar as empresas [nacionais] com empresas chinesas. As empresas chinesas sempre são subsidiadas, então seus lucros sempre são maiores que os lucros reais de empresas não subsidiadas. Em uma disputa [judicial] é preciso demonstrar a um juiz que a empresa chinesa, apesar de fazer o mesmo que a sua empresa, não é comparável porque está subsidiada. Mas na China conseguir informações sobre os subsídios é muito difícil”, exemplifica.

Esse aumento na judicialização é esperado por tributaristas brasileiros que atuam com preço de transferência. Por ora, entretanto, não há autuações sobre o assunto pelo fato de as novas regras terem se tornado obrigatórias no país apenas em 2024. 

Reforma tributária

Outra experiência colombiana que pode ser observada pelo Brasil diz respeito à reforma tributária. No país, a última grande mudança tributária foi aprovada em 2022, quando, entre outros pontos, foi elevada a tributação dos mais ricos e alterada a cobrança de impostos sobre petroleiras e mineradoras.

Quiñones, entretanto, ressalta que não há consenso sobre a efetividade das medidas. “Tudo depende de para quem você pergunta. Aqueles que têm como meta a redução da desigualdade te dizem que sim, funcionou muito bem. Aqueles que creem que é mais importante a competitividade e atrair investimentos vão dizer que a reforma foi nefasta.”