Nos cursos universitários de Direito, ensina-se que o estudo do tributo deve se ocupar essencialmente da norma jurídica. Estudam-se os critérios que compõem a hipótese de incidência tributária ou, como se prefira designar, o fato gerador, e os que definem a obrigação tributária, ou, mais amplamente, a relação jurídico-tributária.
O que vem antes dessa norma, isto é, as finalidades, os objetivos, as motivações, pouco importariam, notadamente se não estivessem estampados em outra norma jurídica – a norma de competência: seriam temas da política. Da mesma forma, o que vem depois, as consequências, também não deveriam ser o objeto de estudo dos tributaristas, segundo essa linha tradicional de pensamento: seriam assunto dos economistas, especialmente os que se dedicam às finanças públicas.
Mas o fato é que o contribuinte não é um ser estático: define seu comportamento conforme as regras tributárias vigentes e muda com base na expectativa de alterações de tais regras. Compreender a tributação requer, portanto, que estejamos atentos, tanto aos fins quanto aos efeitos das regras tributárias. Não há tributo perfeitamente neutro. A bem da verdade, os tributos sempre fazem muito mais do que arrecadar. Em maior ou menor medida, repercutem nas decisões dos agentes econômicos, especialmente quanto àquela que é básica, a de realizar um investimento, ainda mais produtivo.
O mundo hoje nos cobra uma visão ampla, atenta às mudanças rápidas e intensas em andamento. Vivemos uma transformação digital, com alterações importantes na economia e na sociedade e um acirramento da competição tributária dos governos nacionais por capital e trabalhadores. É fundamental compreender os processos de reestruturação em curso. As reformas já efetivadas e as que ainda se encontram em debate precisam se dar conta de antigos desafios, até hoje não superados, e dos novos, para os quais ainda se discutem parâmetros, inclusive no nível da OCDE.
Não há qualquer garantia que o futuro repetirá o presente, quanto mais o passado. Quem dedica atenção ao debate tributário hoje, no plano interno ou internacional, não pode ignorar que vivenciamos intensas transformações.
No Brasil, desde os anos 1990, foi se construindo o consenso de que o sistema tributário brasileiro — complexo, regressivo e anacrônico — carece de mudanças. A aprovação da Emenda Constitucional 132/2023, instituiu uma reforma tributária do consumo, com extensão e profundidade sem precedentes.
Mal se compreenderam o sentido e o alcance das alterações promovidas, já se impõe o desafio de regulamentá-las. Como se sabe, tramitam no Congresso Nacional os projetos de lei complementar do Poder Executivo voltados a esse objetivo: o PLP 68/2024, que institui o Imposto e a Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS e CBS) e o Imposto Seletivo (IS), e o PLP 108/2024, que trata do funcionamento do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS).
Temos, portanto, uma etapa vencida, a da mudança constitucional; outra em andamento, a da primeira regulamentação; e certamente outras por vir, inclusive a etapa judicial, que tarda, mas nunca falha no Brasil.
Nesse quadro, é essencial discutir as tendências recentes das reformas tributárias em curso, no Brasil e nos demais países, bem como seus impactos nos agentes econômicos, especialmente quanto aos investimentos, privados e públicos. De que maneira as mudanças já realizadas e aquelas ainda em debate podem afetar a decisão de investir? Como podem repercutir nos preços e no consumo brasileiro, notadamente nos setores mais concentrados? Qual o espaço que ainda resta para fomentar o investimento e o consumo, por meio de tratamento tributário diferenciado, em diversos setores ou segmentos econômicos? Que esperar em termos de efeitos concretos da reforma e de sua regulamentação?
São essas algumas das questões que se apresentam no Workshop “Tributação e Investimentos: Aspectos Econômicos, Financeiros e Tributários a Influir na Decisão de Investir”, evento que reúne autoridades e especialistas em Lisboa, no Centro Cultural e Científico de Macau, nos dias 24 e 25 de junho.
Num cenário de mudanças rápidas e grandes incertezas econômicas e jurídicas, a troca de experiências e o diálogo acadêmico ainda é o caminho mais seguro para lidar com os desafios presentes, seja para o Brasil, seja para Portugal.