Tributação das subvenções

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Definitivamente 2023 não foi um bom ano para o contribuinte brasileiro. Não bastasse a aprovação de uma reforma tributária permeada por equívocos e inconstitucionalidades, o Poder Executivo obteve sucesso em uma série de outros temas que, se considerados em seu todo, têm natureza confiscatória e, portanto, acintosa ao princípio da capacidade contributiva.

Entre eles está a aprovação de Medida Provisória que flexibiliza regras do pagamento de juros sobre capital próprio, além da alteração do Imposto de Renda sobre fundos de investimento e sobre rendas obtidas no exterior por meio de offshores, tributação das bets e, principalmente, a aprovação da MP 1185, sobre a qual dedicamos nossas reflexões neste breve texto.

Por intermédio da Lei 12.973/2014 o legislador ordinário estabeleceu desoneração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os valores das subvenções para investimento concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, desde que tais subvenções sejam registradas em conta de reserva de lucros na contabilidade da pessoa jurídica beneficiária.

Já as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 estabeleciam a desoneração de PIS e Cofins sobre as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público, concedidas pelos estados, município e União.

Em alíquotas nominais, a desoneração dos tributos acima relacionados corresponde a 43,25% (25%+9%+9,25%) sobre a subvenção concedida.

O principal incentivo tributário concedido pelos estados com a imposição de contrapartidas como a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, são os créditos presumidos de ICMS.

Posteriormente, a Lei Complementar 160/2017 deixou claro que não haveria tributação da receita dos estados de forma a reduzir drasticamente os investimentos estaduais destinados a atrair ecossistemas industriais dos mais diversos segmentos.

Embora a LC 160/17 tenha sido expressa quando à necessidade de observância à reserva de lucros, alguns contribuintes, passaram a tratar como subvenção para investimento benefícios negativos, como isenções e reduções de base de cálculo de ICMS.

No entanto, sob o pretexto de regulamentar o crédito fiscal decorrente de subvenção concedida para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico e corrigir eventuais interpretações distorcidas, o governo federal editou a MP 1185.

Ao tempo em que a referida MP revoga o artigo 30 da Lei 12.973/2014 e os incisos X do § 3º do art. 1º da Lei 10.637/2002 e IX do § 3º do art. 1º da Lei 10.833/2003, de forma a impor tributação de 43,25% sobre os créditos presumidos de ICMS concedidos pelos estados como forma de atrair investimentos locais, prevê que a empresa que for beneficiada com subvenções e seja tributada pelo lucro real poderá apurar crédito fiscal equivalente à alíquota do IR sobre o montante dispendido a título de investimento proporcionalmente à depreciação ou amortização do bem, observados requisitos e pressupostos.

A exclusão da subvenção para investimento prevista no artigo 30 da Lei 12.973/2014 não é uma carta em branco. O contribuinte que observa a legislação quando distribui lucro ou dividendo, por exemplo, já efetua o pagamento do IR e da CSLL sobre o valor distribuído ou pago.

É importante mencionar que o investimento exigido pelo estado como contrapartida à concessão dos incentivos fiscais pode não se dar em ativo tangível, isto é, muitos segmentos realizam investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, investimentos em empresas de base tecnológica locais, ou ainda investimentos em centros de treinamento ou desenvolvimento profissional.

Em outras palavras, a MP estabelece as subvenções ou doações efetuadas pelo poder público federal, estadual municipal ou distrital comporão, a partir de 1º de janeiro de 2024, as bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, impondo às indústrias geradoras de empregos e de desenvolvimento regional aumento expressivo da carga tributária.

No que concerne ao IR e à CSLL, o atual tratamento tributário das subvenções foi alterado pelo art. 30 da Lei 12.973/2014 e pela Lei Complementar 160/2017. Restou estabelecido no referido dispositivo legal que os incentivos fiscais – aqueles concedidos pelos estados, municípios e união sob condição – e são considerados subvenções para investimento, nãos sendo, portanto, computadas na determinação do lucro real.[1]

Muito se falou em “jabuti” com a LC 160/17, no entanto, a pretexto de corrigir suposto jabuti de IR e CSLL o governo majorou a tributação de PIS/Cofins com a inclusão da subvenção em sua base.

É importante mencionar que o governo federal já equalizou suas contas com a exclusão do ICMS e do IPI da base de créditos das contribuições com a alteração das Leis 10.637/02 e 10.833/03 e da IN RFB 2.121/2022.

Ainda o Tema 1182 expressamente excepciona os créditos presumidos de ICMS (tema tratado no ERESP 1.517.492/PR de relatoria da ministra Regina Helena) que está restrita aos demais incentivos fiscais.

Segundo leciona Geraldo Ataliba:

O direito, estabelecido por lei, a perceber, do Poder do Público, certas importâncias em dinheiro configura subvenção, que se conceitua como ajuda ou auxílio pecuniário. A relação obrigacional daí emergente tem como credor o particular beneficiário e, como devedor, o Poder Público. Não pode, por isso, confundir-se, nem teórica, nem praticamente, com a isenção, que configura exclusão de direito obrigacional cujo credor é o Estado e cujo devedor é um contribuinte. Ainda que se pretenda colocar de modo diverso a questão, as situações persistem sendo diversas – porque diversos os institutos jurídicos de que se cuida – dado que a pretensão do contribuinte é positiva, no caso da subvenção e negativa, no caso da isenção.”[2]

A Constituição Federal discrimina as competências tributárias atribuindo, às pessoas políticas de direito público, a prerrogativa de, por meio de lei, criar tributos.

Tal prerrogativa está de antemão delineada no texto constitucional, que estabelece todos os elementos necessários para que o legislador crie, por lei, os tributos, e, ao fazê-lo, estabelece, por igual, regras para a desoneração de tributos da sua competência impositiva.

A disciplina constitucional aqui referida preza, fundamentalmente, a evitar a concorrência prejudicial entre as pessoas políticas de Direito Público concorrência esta que além de ser nociva ao desenvolvimento econômico pode pôr em risco a coesão do pacto federativo e a sua própria existência, o que afeta diretamente o Estado democrático de Direito.

A federação, enquanto forma de Estado, conforme estabelece o texto constitucional, é imutável, inclusive por emenda. A norma constitucional que estabelece ser o Brasil um Estado federativo é, portanto, cláusula pétrea. Apenas com a edição de uma nova Constituição a forma de estado poderia ser alterada.

Foi exatamente, com o propósito de proteção do pacto federativo, que o legislador constituinte fez consignar no texto da Constituição Federal um rol de regras protetoras dele, sobretudo e, em especial, insertas no sistema tributário.

Sendo certo que os estados têm a prerrogativa de criar os impostos relacionados na sua competência impositiva, é certo também que tal competência não é, no entanto, ampla e irrestrita, na medida em que, embora seja fato que quem pode tributar pode também isentar e assim também conceder benefícios e incentivos tributários e fiscais, tal premissa cede diante da necessidade de manutenção da coesão do pacto federativo, já que as normas que criam desonerações, incentivos e benefícios são verdadeiros atrativos para as empresas e para o setor produtivo como um todo, além de representarem renúncia de receita que, não fossem os benefícios, seria de titularidade do respectivo ente.

As desonerações tributárias, assim como as subvenções concedidas por União, estados, municípios e Distrito Federal, nas suas mais variadas formas, representam importante economia para o setor produtivo, que, nessa medida, busca estabelecer-se onde possa, reduzindo custos, inclusive os tributários, para aumentar a sua capacidade de produção e tornar-se competitiva inclusive em face dos produtos importados que em inúmeros casos contam com tributação favorecida, como no caso daqueles enquadrados no Remessa Conforme.

Ademais, segundo Heleno Taveira Torres, os incentivos fiscais recompensam o empresário pelo risco do negócio, que muitas vezes não estabeleceria sua unidade industrial em áreas de risco, neutralizando a vantagem que outras indústrias possuem ao se estabelecer em áreas de maior especialização técnica. O benefício fiscal é instrumento determinante para reduzir os riscos e estimular a atividade produtiva, assegurando a livre concorrência.[3]

Sensível a tal realidade, o constituinte estabeleceu regramento em relação à concessão de incentivos e benefícios fiscais vedando a prática concorrencial prejudicial entre entes federativos e, para tanto, impôs a observância do princípio da legalidade não apenas para a criação e majoração de tributos, mas também para a concessão de incentivos e benefícios fiscais e tributários. Estabeleceu ainda, conforme exposto anteriormente, especialmente no que concerne ao ICMS, a imposição de que qualquer favor fiscal deve ser objeto de deliberação dos estados regulada por lei complementar.

Ao pretender tributar subvenções concedidas por outras unidades federativas – pelo IR, pela CSLL, pela Contribuição ao PIS/Pasep e pela Cofins, a União invade a sua competência agredindo o pacto federativo, já que está cobrando imposto de sua competência em relação a recursos transferidos aos contribuintes por outras pessoas políticas de Direito Público, subvenções estas que se fossem exigidas seriam tributadas pelos demais entes federativos. Essa ingerência da União sobre recursos que, por autorização constitucional, seriam dos estados, por exemplo, agride o pacto federativo, o que, pelas razões expostas não se admite.

A Lei 4.320/64 prevê, em seu artigo 12, §3º, inciso II, as subvenções econômicas são subvenções destinadas à realização de investimentos e embora revelem a condição de incentivo condicionado, não têm natureza tributária, apenas financeira.

Importante esclarecer que embora tais subvenções prestem-se a estimular a implantação, expansão ou manutenção das referidas empresas, a legislação brasileira coíbe, em homenagem aos princípios da moralidade, da indisponibilidade dos interesses públicos, da legalidade e da igualdade, que sejam concedidos quaisquer auxílios financeiros a empresas com finalidade lucrativa e se não houver interesse público relevante, salvo quando houver expressa previsão em lei específica.

Nesse ponto de nossas reflexões impõe esclarecer mais uma vez, que embora a natureza fiscal das subvenções, sociais ou econômicas, e bem assim dos subsídios, haja vista que os incentivos e benefícios tributários compreendem hipóteses de desoneração, ao passo que as subvenções e os subsídios revelam estímulos financeiros, pensamos haver uma hipótese em que seja possível identificar a natureza tributária dos subsídios, quais sejam os créditos presumidos.

Destinados a beneficiar determinado setor da economia local, cuja atividade necessita de incremento segundo compreensão da autoridade fazendária, sobretudo nos tributos plurifásicos, os créditos presumidos são concedidos como consecução de sua política tributária.

Não obstante não se caracterizem efetiva e concretamente como um desembolso financeiro, podem revestir a natureza de benefícios ou mesmo incentivos tributários eis que se efetivam através da concessão de um crédito fictício de natureza tributária.

Impõe-se esclarecer que, no Brasil, nos impostos sujeitos à observância do princípio da não cumulatividade o tributo incidente sobre a comercialização dos insumos é pago quando da sua saída do respectivo estabelecimento, repercutindo economicamente sobre o preço do produto e, por esta razão, convertendo-se em crédito a ser abatido em operações futuras, evitando com isso a incidência em cascata do tributo.

Ocorre que, em algumas ocasiões, por razões de política fiscal, alguns contribuintes, destinatários de benefícios e incentivos tributários, embora destaquem no documento fiscal o valor total do tributo, não efetuam o recolhimento ou o fazem de forma parcial, pois desfrutam de autorização legal para registrar em sua escrita contábil crédito presumido, equivalente à totalidade ou parte do valor do respectivo imposto. Ou seja, não pagam integralmente o imposto devido com seus próprios recursos pois têm autorização legal para acrescer ao valor que efetivamente desembolsarão, para fins de recolhimento do imposto, crédito fictício previsto na legislação de regência.

Na hipótese em comento, a autoridade fazendária, concede um subsídio ao contribuinte equivalente à diferença entre o montante por ele pago e o valor devido na operação, de modo que, ao final, aritmeticamente falando, o resultado financeiro seja o mesmo a que se teria chegado se o contribuinte houvesse pagado integralmente o tributo com recursos próprios. Daí porque o valor destacado na nota para fins de creditamento na operação seguinte, corresponde ao imposto integral.

Embora não haja concretamente um desembolso por parte do ente público ou do particular de parte do tributo devido, a consequência prática é a mesma que se teria alcançado se o contribuinte tivesse pagado integralmente o tributo com recursos próprios.

O sujeito passivo recebe recursos fictícios do ente público e é autorizado a registrá-los em sua escrita fiscal com o propósito de, acrescendo-os aos valores que pagará, a somatória resulte no valor devido por lei na operação. Figurativamente falando, o estado entrega recursos (fictícios) ao contribuinte para que pague o tributo a ele devido, ou seja, o estado subvenciona o contribuinte para que realize a prestação tributária sem precisar se descapitalizar, já que não haverá desembolso para pagamento do tributo ou ocorrerá apenas parcialmente e, muito importante, sem prejuízo para a etapa seguinte, que toma crédito do total da operação subsidiada.

Ante tais considerações conclui-se pela inconstitucionalidade da MP 1185 que revogou o artigo 30 da Lei 12.973 e os incisos X do § 3º do art. 1º da Lei 10.637/2002 e IX do § 3º do art. 1º da Lei 10.833/2003, impondo aos setores industriais severo aumento de carga tributária.

Ao fim e ao cabo, sendo esta uma coluna da ABDF, dada a minha condição feminina e considerando o momento em que vivemos de encerramento das atividades, embora estas palavras não estejam diretamente relacionadas com o conteúdo do texto, julgo importante registrar o destacado papel que a ABDF tem desempenhado para o desenvolvimento da ciência e para valorização das mulheres, com muitos planos para o futuro.

[1] Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:

[2] ATALIBA, Geraldo. Subvenções. Natureza Jurídica. Não se confundem com as isenções. São Paulo: Revista de Direito Público, 1976 p.99.

[3] TORRES, Heleno Taveira. Desenvolvimento, Meio Ambiente E Extrafiscalidade no Brasil, p. 85-115.