A reforma da tributação sobre o consumo foi apresentada pelo Governo Federal como um passo importante para modernizar o sistema tributário brasileiro, tornando-o mais transparente e eficiente. No entanto, a construção de um modelo tributário mais justo e equilibrado exige ir além. Em 2025, o foco se volta para a reforma da tributação da renda, etapa essencial para corrigir distorções que perpetuam desigualdades e comprometem o financiamento das políticas públicas.
Enquanto a tributação sobre bens e serviços tende a ser regressiva, incidindo proporcionalmente mais sobre os que ganham menos, a tributação sobre a renda tem o potencial de reequilibrar essa equação. No entanto, o modelo atual apresenta falhas graves, permitindo que as maiores rendas escapem da tributação efetiva por meio de planejamentos tributários agressivos e da falta de tributação sobre lucros e dividendos.
Corrigir essas distorções exige não apenas mudanças legislativas, mas também uma administração tributária forte e preparada para garantir a efetividade das novas regras.
Por que a tributação sobre a renda precisa mudar?
O modelo brasileiro se destaca negativamente quando comparado a economias mais avançadas. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a tributação sobre renda e patrimônio representa 13,1% do PIB; no Brasil, esse percentual é de apenas 8,3%.
Uma das principais razões para essa discrepância é a isenção de lucros e dividendos distribuídos, estabelecida em 1995. Enquanto trabalhadores assalariados estão sujeitos a uma alíquota de 27,5% de Imposto de Renda (IR), grandes empresários e investidores recebem rendimentos milionários sem qualquer tributação direta. Isso gera uma anomalia no sistema, onde a carga tributária efetiva sobre a renda diminui à medida que os rendimentos aumentam.
Além disso, o Brasil tributa patrimônio em proporções muito menores do que países desenvolvidos. O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição, nunca foi regulamentado, e o Imposto sobre Heranças e Doações (ITCMD) tem alíquotas bem abaixo da média internacional.
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Essa estrutura não apenas compromete a arrecadação, mas reforça a concentração de renda e riqueza, dificultando a redução da desigualdade e a ampliação do acesso a serviços públicos de qualidade.
O papel da administração tributária na efetividade da reforma
A simples aprovação de uma reforma na tributação da renda não garante que seus objetivos sejam atingidos. Para que as novas regras sejam cumpridas, a Receita Federal e seus Auditores-Fiscais precisam estar fortalecidos e estruturados para atuar de maneira eficaz.
Fraudes fiscais e planejamentos tributários abusivos já são uma realidade no Brasil. Em operações recentes, como a “Pérola Negra”, a Receita Federal identificou esquemas de evasão que envolviam subfaturamento, remessas a paraísos fiscais e abuso de elisão tributária, resultando na recuperação de R$ 400 milhões aos cofres públicos.
Com a reforma da renda, será necessário um esforço ainda maior para impedir que grandes fortunas continuem escapando da tributação por meio de fundos offshore, reorganizações societárias artificiais e operações simuladas. A atuação da administração tributária será determinante para fechar essas brechas e garantir que aqueles que devem mais impostos realmente paguem.
Além disso, a Receita Federal precisará expandir o uso de tecnologia e inteligência artificial, permitindo um cruzamento mais eficiente de dados financeiros e identificando padrões suspeitos de movimentação de capitais.
Propostas para uma tributação mais justa e eficiente
A reforma da tributação da renda deve seguir princípios de isonomia, progressividade e combate à evasão fiscal. Para isso, algumas medidas essenciais precisam ser implementadas:
- Revisão do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF)
- Aumento da faixa de isenção: Atualmente, milhões de brasileiros de baixa renda ainda pagam IR. A proposta divulgada recentemente pelo governo prevê isenção para rendimentos de até R$ 5.000 mensais, garantindo alívio tributário para a classe média baixa.
- Novas faixas para altas rendas: Hoje, a alíquota máxima de 27,5% se aplica a qualquer rendimento acima de R$ 4.664,68. A reforma deve criar novas faixas progressivas, tributando rendimentos acima de R$ 50.000,00 mensais em patamares mais elevados.
- Tributação de Lucros e Dividendos e Juros sobre Capital Próprio (JCP)
- Novo tratamento para essas duas formas de desoneração tributária. O Brasil está entre os poucos países que não tributam dividendos na pessoa física, já a os valores a título de JCP distribuídos têm tributação exclusiva na fonte à alíquota de 15%, sendo possível, ainda, deduzir essa despesa fictícia do lucro da Pessoa Jurídica, pagando menos imposto de renda.
Além dessas medidas, é preciso tirar da gaveta o IGF, tributando patrimônios superiores a R$ 10 milhões, com potencial de arrecadação de R$ 40 bilhões anuais, promovendo equilíbrio fiscal.
Para que a reforma também não fique apenas no papel, é essencial combater planejamentos tributários abusivos, o que envolve:
- Fechamento de brechas legais: Regras mais rígidas contra reorganizações societárias artificiais e operações simuladas.
- Maior transparência e cooperação internacional: Acordos para rastrear ativos ocultos em paraísos fiscais.
Reforma da renda: justiça tributária e crescimento econômico
A implementação de uma tributação mais progressiva não significa desestimular investimentos ou prejudicar o crescimento econômico. Pelo contrário, estudos mostram que tributar mais as altas rendas e aliviar a carga sobre os mais pobres aumenta o consumo interno, aquecendo a economia.
Além disso, países que adotaram sistemas tributários mais justos, como Canadá e França, continuam atraindo investimentos e mantendo um crescimento sustentável.
No Brasil, a correção das distorções permitirá não apenas aumentar a arrecadação, mas também financiar políticas públicas essenciais sem aumentar a carga tributária total. O deslocamento da tributação do consumo para a renda reduz o peso dos impostos para a maior parte da população e melhora a distribuição da carga tributária.
O papel dos Auditores-Fiscais na construção de um sistema tributário mais justo
A reforma da tributação da renda não será efetiva sem um corpo técnico qualificado e bem estruturado. Os Auditores-Fiscais da Receita Federal são responsáveis por garantir que as novas regras sejam aplicadas corretamente e que mecanismos de evasão sejam desarticulados.
Para isso, é fundamental que a administração tributária receba os investimentos necessários, tanto em tecnologia quanto na recomposição do quadro de servidores. Sem isso, há o risco de que as mudanças não produzam impacto real na redução das desigualdades.
A tributação da renda é o próximo passo na construção de um Brasil mais justo e equilibrado. Com uma administração tributária forte e valorizada, é possível transformar o sistema tributário em um verdadeiro instrumento de justiça social e crescimento econômico sustentável.