Temos nos deparado, recentemente, com uma enxurrada de notícias de cunho tributário, seja no âmbito do Legislativo, Executivo ou Judiciário, muitas das quais, não sem razão, com um tom bastante crítico, que pode levar o mais leigo leitor a uma situação de completa descrença em relação aos rumos da política fiscal do país.
Talvez o mais ilustrativo exemplo seria a celeuma gerada entre a política de desoneração da folha de pagamento para 17 setores versus as medidas propostas para a compensação da perda de receitas tributárias dela decorrente.
Em um breve resumo, e sem querer esgotar a discussão, tivemos a aprovação, pelo Legislativo, da prorrogação de referida desoneração, seguida pelo veto do presidente da República, o qual foi, ato contínuo, derrubado pelo Legislativo. Não bastasse, tivemos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pelo Executivo, por meio da qual o STF, a pedido da AGU, suspendeu a prorrogação da desoneração, suspensão esta que foi suspensa por 60 dias até que o Executivo e o Legislativo costurassem um acordo para acomodar o impacto orçamentário e financeiro da medida, tendo em vista que a MP 1227, proposta pelo Executivo para tal fim, teve os trechos correspondentes a este tema devolvidos pelo presidente do Senado, segundo ele, por “flagrante inconstitucionalidade”.
Bem, fica claro, pelo exemplo acima, que enfrentamos um momento de embate institucional que gera insegurança jurídica e muito receio por parte dos contribuintes, sejam eles cidadãos, empresas ou investidores internacionais. Contudo, por mais clichê que possa parecer, há sempre uma luz no fim do túnel.
Não podemos nos esquecer de que, neste mesmo momento, estamos vivenciando o mais amplo debate, entre todos os setores da sociedade, sobre uma profunda reforma tributária do consumo, que é desejada há décadas e nunca havia antes saído do papel, a qual deverá simplificar sobremaneira o sistema tributário nacional, que é complexo, injusto e extremamente burocrático.
Neste novo sistema, trata-se de temas sensíveis como o cashback de tributos para as camadas mais empobrecidas da população e um imposto extrafiscal que pretende desestimular comportamentos de consumo prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, que é o Imposto Seletivo, entre outras medidas inspiradas nos sistemas tributários de países desenvolvidos.
Falando em sustentabilidade, temos presenciado a discussão sobre o programa Mover que, entre outros aspectos, ao substituir o programa Rota 2030, estimula o investimento em pesquisa e desenvolvimento, incentiva as tecnologias com foco ambiental e valoriza a matriz energética de baixo carbono.
Além disso, presenciamos recentemente a harmonização das regras brasileiras de preços de transferência com o padrão da OCDE, o que deve eliminar os episódios de dupla tributação ou dupla não tributação nas relações comerciais intragrupo travadas entre empresas brasileiras e estrangeiras, tornando o Brasil um local de investimento mais previsível e amigável.
Da perspectiva do imposto de renda, temos em vista uma possível reforma da Lei do Bem, de modo a universalizar o acesso a este importante incentivo à inovação tecnológica e à pesquisa e desenvolvimento, hoje restrito a poucas grandes empresas tributadas pela sistemática do lucro real, bem como a reforma da tributação da renda, que deve, por um lado, ocasionar a tributação da distribuição de dividendos, hoje isenta, mas, por outro, reduzir a tributação corporativa, em linha com o sistema dos países mais industrializados. A reforma tributária da renda deve ser analisada e votada pelo Congresso logo após a conclusão da regulamentação da reforma do consumo, o que está previsto para acontecer até o final do ano de 2024.
Por fim, mas sem a pretensão de esgotar as possíveis inovações em perspectiva no sistema tributário brasileiro, começamos a discutir o imposto mínimo global de 15% – Pilar 2 do Programa Base Erosion and Profit Shifting (BEPS) da OCDE –, que pretende instituir um imposto mínimo global para as grandes multinacionais, na faixa de 15%, bem como o imposto sobre grandes fortunas, ou imposto dos “bilionários”, que o governo brasileiro tem defendido no G20 e consiste no estabelecimento de uma alíquota mínima de 2% sobre a fortuna dos bilionários.
Considerando-se esse conturbado cenário, e em especial diante da recente novela da desoneração da folha de pagamentos, ao observarmos os fatos isoladamente, bem como seus possivelmente danosos impactos no curto prazo, pode-nos parecer que estamos no caminho errado, envoltos em um contexto de extrema insegurança jurídica, crise institucional e austeridade fiscal desenfreada.
Por outro lado, olhando-se para a big picture e para todos os possíveis avanços relatados acima, com seus importantes e potencialmente favoráveis impactos de médio e longo prazos, pode-se constatar que, mesmo sem parecer à primeira vista, estamos trilhando o caminho certo, apesar da forma bastante tortuosa, na medida em que temos trazido ao debate institucional neste país os principais tópicos discutidos atualmente nas grandes nações do globo, ou seja, não estamos passando ao largo dos principais temas tributários da atualidade.
A conclusão correta, isto é, se estamos trilhando o caminho certo ou não, só o tempo nos dirá – até lá, conviveremos com prognósticos para todos os gostos, desde o mais pessimista até o mais otimista, ao sabor e de acordo com o perfil de quem se arrisca em palpitar.