Tribunais de contas são imunes ao legislador?

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Difundiu-se no ambiente dos Tribunais de Contas a percepção de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria reconhecido reserva de iniciativa legislativa amplíssima a esses entes. Por essa ótica, caberia apenas aos próprios controladores de contas propor a edição de normas voltadas a discipliná-los (inclusive em relação a aspectos processuais). O tema já foi objeto desta coluna

De fato, o STF, com base nos arts. 73, 75 e 96, II, d da Constituição, reconheceu que compete a tribunais de contas, “com exclusividade, a iniciativa legislativa de norma que disponha sobre sua organização e funcionamento”. À semelhança dos tribunais superiores do Judiciário, eles gozariam de “prerrogativas constitucionais de autonomia e autogoverno” (ADI 4191). 

Mas apesar de o argumento da violação à reserva de iniciativa dos tribunais de contas ter sido diversas vezes invocado pelo STF para fundamentar declarações de inconstitucionalidade, parece-nos exagerado dizer que, à luz da sua jurisprudência, toda e qualquer norma legal com repercussão sobre tribunais de contas só poderia ser editada por iniciativa sua. 

Em muitas situações o STF tem usado a violação à reserva de iniciativa legislativa dos tribunais de contas como uma espécie de atalho argumentativo para declarar a inconstitucionalidade de normas materialmente incompatíveis com o texto constitucional. 

O recurso ao argumento de inconstitucionalidade formal parece estar sendo empregado pelo Supremo mais para eximi-lo do ônus de ingressar no mérito das ações — e, por conseguinte, de explicar as incompatibilidades de normas impugnadas com a Constituição — do que para definir o perfil e extensão da prerrogativa constitucional de autonomia e autogoverno. 

Na ADI 6986, por exemplo, o STF, calcado no argumento da violação à reserva de iniciativa, declarou inconstitucional emenda à Constituição do Estado do Rio Grande do Norte que procurou estabelecer que a assembleia legislativa poderia, por aprovação de 2/3 de seus membros, sustar efeitos de decisões cautelares do tribunal de contas até julgamento de mérito, inclusive das que versassem sobre imposição de multas. A inovação pretendida pelo legislador estadual claramente destoa do art. 71 da Constituição Federal. 

Reforça a percepção de que o STF tende a recorrer à violação da reserva de iniciativa mais como atalho argumentativo do que para definir seu perfil e extensão o fato de ter reconhecido a constitucionalidade de lei, proposta por parlamentar, que alterou a própria lei orgânica do TCE-MG para nela incluir regras de prescrição no controle de contas (ADI 5384).

O uso ampliado do argumento da inconstitucionalidade formal pode estar se mostrando útil ao STF para resolver ações com rapidez. A estratégia, contudo, tem efeito colateral importante: cria a impressão de que, para a Suprema Corte, tribunais de contas seriam imunes ao Legislativo.   

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