O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) decidiu, na última quinta-feira (10/4), manter a negativa de tutela de urgência à Paper Excellence e determinou que cabe à 1ª Vara Federal de Três Lagoas (MS) analisar o pedido da empresa para revogar liminares concedidas no âmbito da Ação Popular que suspenderam a transferência de ações da Eldorado Brasil Celulose e os efeitos de decisão arbitral favorável à companhia.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
A decisão foi proferida pelo desembargador federal José Carlos Francisco, relator do Agravo de Instrumento nº 5005504-03.2025.4.03.0000, um processo relacionado à briga da Paper Excellence, empresa canadense, cujo dono é indonésio, com a holding J&F, dos irmãos Batista, pelo controle da Eldorado Brasil Celulose.
O recurso foi interposto numa ação civil pública, que busca barrar a aquisição da Eldorado Brasil pela Paper Excellence, sob o argumento de que não houve autorização prévia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou do Congresso Nacional, como exigido pela Lei 5.709/1971, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro .
No pedido de liminar, a empresa requeria a revogação de medidas cautelares proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que suspenderam os atos de transferência das ações da Eldorado, além da sustação da suspensão dos efeitos da decisão arbitral A-14, que instituía um órgão de coordenação na empresa, com participação da Paper Excellence.
O juízo da 1ª Vara de Três Lagoas já havia indeferido o mesmo pedido, sob o fundamento de que, naquele momento, a competência para julgar a causa ainda estava sendo discutida no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em março, o STJ havia confiado provisoriamente à Vara de Três Lagoas apenas a análise de questões urgentes, o que não abarcaria estes pedidos da Paper.
Após o STJ decidir, no início do mês, pela competência definitiva da 1ª Vara de Três Lagoas para processar e julgar tanto a ação civil pública quanto a ação popular conexa, o TRF3 retomou a análise do agravo. O relator entendeu que o pedido da empresa não poderia ser apreciado pelo tribunal antes de manifestação do juízo de primeira instância, sob pena de supressão de instância.
Embora tenha se abstido de decidir o pedido liminar, o relator fez considerações sobre o tempo decorrido desde o início da disputa judicial — cerca de dois anos — e sobre os critérios para análise de urgência. “A urgência que ampara análises liminares tem várias faces, dentre elas a iminência de ato ou fato relevante mas, também, o decurso do tempo que pode potencializar problemas e efeitos quanto ao objeto litigioso”, apontou.
O magistrado também mencionou a existência de ações em curso no Supremo Tribunal Federal, como a ADPF 342 e a ACO 2463, que poderão impactar o entendimento sobre o tema. A ADPF 342 discute a constitucionalidade das restrições impostas pela AGU à aquisição de terras por empresas brasileiras controladas por estrangeiros. Já a ACO 2463, ajuizada por União e Incra, que divergem de processo instituído pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo para a aplicação de normas de compra de terra por estrangeiros. “A urgência não pode induzir a decisões precipitadas, em desfavor da aparência do direito, notadamente quando eventuais matérias de fato mereçam ser detidamente apuradas”, escreveu.
Em nota enviada ao JOTA, a Paper Excellence disse que “confia nos argumentos apresentados e espera que a 1ª Vara Federal de Três Lagoas (MS) casse as liminares que impedem a transferência do controle acionário da Eldorado Brasil Celulose”.
Além disso, afirmou que comprou “um complexo industrial, com terminal portuário e escritórios de representação internacionais, sem qualquer relação com especulação imobiliária, não representando, portanto, nenhuma ameaça à soberania nacional”.
“A empresa reafirma seu compromisso de vender as terras de propriedade da Eldorado assim que assumir o controle da fábrica de celulose”, disse na nota.
Entenda a disputa entre a Paper Excellence e a J&F pela Eldorado Brasil Celulose
Em 2017, Paper Excellence e J&F acordaram a venda total da Eldorado, por R$ 15 bilhões, para a multinacional, a ser feita de forma gradual. A Paper Excellence adquiriu, em 2017, 49,41% das ações da Eldorado por R$ 3,8 bilhões. Assim, em 2018, a holding deveria concluir a transferência completa da companhia para a Paper.
No entanto, a J&F argumenta que a Paper Excellence não liberou as garantias previstas no trato – havia a previsão de que a multinacional assumiria dívidas da J&F como parte do fechamento do acordo de aquisição, o que a holding alega que não aconteceu. A Paper Excellence, por sua vez, afirma que pagou os compromissos, e que a holding se arrependeu do negócio por conta de mudanças no cenário internacional.
A disputa foi então levada à arbitragem, que resultou em decisão favorável à Paper Excellence em 2021, reconhecendo o direito de a empresa assumir o controle da Eldorado Brasil Celulose. Na ocasião, o negócio de R$ 15 bilhões não foi finalizado, já que a J&F não aceitou o resultado e acionou o Judiciário.
Na primeira instância, com a sentença da juíza Renata Maciel, da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, a decisão da arbitragem foi confirmada – e, agora, anulada, com o julgamento de uma reclamação no TJSP em março.
Em outra frente da disputa, em abril do ano passado, a 3ª Turma do TRF4 confirmou, por unanimidade, a tutela cautelar concedida pelo desembargador Rogério Favreto para suspender os atos de transferência das ações da Eldorado Brasil Celulose em posse da J&F Investimentos para o grupo Paper Excellence até o julgamento final de uma ação popular que tramita no tribunal.
Mas em dezembro, o ministro do STJ Luiz Alberto Gurgel de Faria, em decisão monocrática, fixou a competência do Juízo da 1ª Vara Federal de Três Lagoas (MS) para conduzir questões urgentes das ações judiciais relacionadas à transferência acionária da Eldorado Brasil Celulose S.A. Nesses processos, a J&F alega que a aquisição da Eldorado pela Paper não seguiu as normas que regulam a aquisição de terras rurais por estrangeiros.
Em setembro, o árbitro Juan Fernández-Armesto, que presidia a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (ICC), renunciou ao cargo e afirmou ter sido ameaçado pela J&F. Em outubro, o tribunal arbitral determinou que a Eldorado pagasse os dividendos mínimos obrigatórios, previsto na Lei das S.A., referente a 2023, à J&F e à Paper Excellence.
Também em outubro, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, negou um recurso movido pela empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista para tentar alterar o desembargador responsável pelo caso. Ela também deu parcial provimento a outro recurso no mesmo caso, e determinou que o TJSP julgue uma reclamação da J&F.
Em janeiro deste ano, a Paper anunciou o pedido de uma nova arbitragem, dessa vez na Câmara de Paris, onde busca indenização de US$ 3 bilhões (aproximadamente R$ 18,3 bilhões) por “atos desleais e abusivos praticados pelas duas empresas brasileiras para impedir a concretização da transferência do controle da Eldorado”.
Em março, o TJSP determinou que a ação sobre a arbitragem voltasse à 1ª instância e, semanas depois, o STJ fixou a competência do Juízo da 1ª Vara Federal de Três Lagoas (MS) para conduzir questões urgentes das ações judiciais relacionadas à transferência acionária da Eldorado.