Transações tributárias: critérios ESG e o combate à desigualdade racial

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A sigla ESG (Environmental, Social and Governance)[1] corresponde a um índice que avalia as atividades desenvolvidas pelas principais empresas de acordo com os seus impactos em três eixos de sustentabilidade – ambiental, social e de governança. Essa avaliação é realizada por agências especializadas na análise e monitoramento de risco de um negócio em relação ao seu comportamento ESG.

Uma empresa que adota políticas que respeita o meio ambiente, as pessoas e que tenha uma boa gestão monstra ao mercado que é uma boa opção de investimento, vez que está comprometida em gerar impactos positivos financeiros, sociais e ambientais. Desta feita, investidores e fundos de investimentos passaram a olhar os critérios de ESG antes de investir nas empresas.

O termo foi utilizado pela primeira vez em 2004, em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial intitulada “Who Cares Wins” (ganha quem se importa, em uma tradução livre).

Os critérios ESG estão relacionados com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (OSD) previstos na Resolução A/Res 70/1, de 25.09.2015, da Assembleia Geral das Nações Unidas e subscrita pelo Brasil.

No Brasil, as grandes empresas já vêm utilizando os critérios ESG e, mais recentemente, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional publicou a Portaria PGFN n. 1.241/2023 que alterou a Portaria PGFN n. 6.757/2022, que regulamenta a transação na cobrança de créditos da União e FGTS.

A nova portaria consolida práticas que já estavam sendo observadas no âmbito da PGFN, vez que é objetivo da transação a promoção da função social da empresa (art. 3º, I, da Portaria PGFN 6.757/2022), finalidade essa que também constitui princípio da ordem econômica da República Federativa do Brasil (art. 170, III, da CRFB).

Não obstante, a Portaria PGFN 1.241/2023 representa um marco para o país, vez que expressamente objetiva incentivar as práticas ESG dentro de uma organização para que estas alinhem seus interesses financeiros com a sua responsabilidade social, ambiental e de governança ao mesmo tempo em que se autorregularizam e mantêm a conformidade fiscal.

Dentre os três eixos de sustentabilidade – ambiental, social e de governança –, o aspecto social deve receber especial atenção no Brasil. Temos que o pilar S da sigla ESG corresponde à responsabilidade social, que se relaciona a fatores que afetam todas as pessoas, dentro e fora da organização.

Assim, organizações comprometidas com a responsabilidade social devem estar empenhadas para o enfrentamento ao racismo, equidade de gênero e combate à pobreza.

Observando os dados coletados no estudo de Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil[2], divulgado em novembro de 2022, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verificamos que o percentual de pessoas que se autodeclararam pretas foi de 9,1% e pardas 47%, totalizando uma população de 56,1% negra. No entanto, apesar de serem a maioria da população brasileira, ao analisar os indicadores que refletem melhores níveis de condição de vida, a representatividade negra está muito aquém desta proporção.

Segundo o IBGE, a taxa de desemprego também é maior em relação à população preta e parda e, apesar de serem mais da metade da força de trabalho, os negros ocupam apenas 29,5% dos cargos gerenciais.

Entre o total de pessoas pobres no Brasil, 73% são pessoas negras, sendo 38% mulheres pretas e pardas e 35% são homens pretos e pardos. Na extrema pobreza, o retrato da população negra aumenta, sendo 40% mulheres pretas e pardas e 37% homens negros.

Os problemas sociais se inter-relacionam. Deste modo, a questão de classe está relacionada com a questão de gênero e de raça. Desta feita, em uma agenda ESG relacionada aos problemas sociais do Brasil, tão importante quanto combater à pobreza é enfrentar o racismo estrutural, vez que a taxa de pobreza entre a população negra (preta e parda) é quase 3 vezes maior do que entre a população branca.

Uma agenda ESG com recorte racial realiza as finalidades[3] de acabar com a pobreza em todas as suas formas, reduz a desigualdade social ao mesmo tempo que promove o crescimento econômico sustentável, inclusivo e sustentado, com igualdade de oportunidades a todas as pessoas, conforme estabelecido, respectivamente, nos objetivos 01, 10 e 08 da Agenda 2030 da ONU.

Com base nas inovações trazidas pelo art. 18-B da Portaria PGFN 6.757/2022, acrescido pela Portaria PGFN 1.241/2023[4], os acordos de transação individual deverão apresentar projeto estruturado com indicação da área ESG que pretende impactar e detalhamento do modo como o projeto será desenvolvido.

Os critérios ESG já foram aplicados em transações pela PGFN, mas sem utilizar a devida nomenclatura. Como exemplo, a empresa Manikraft Guaianazes Indústria de Celulose e Papel, em recuperação judicial, conseguiu condição especial de pagamento, com um valor escalonado das parcelas e, em contrapartida, se comprometeu com a manutenção de políticas de assistência social na região da sede da empresa[5].

Um outro exemplo de ESG com recorte racial, e que pode ser replicado no âmbito da transação individual, é o programa de trainee exclusivo para candidatos negros, realizados pela empresa Magazine Luiza[6].

Desde modo, nos novos modelos de transação, os aspectos relacionados aos critérios de ESG deverão ser considerados e a questão racial deve ser incorporada, de forma a se buscar efeitos positivos a partir das concessões recíprocas que decorrerem do negócio.

[1] A sigla ESG, em inglês, significa “environmental, social and governance”.

[2] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101972_informativo.pdf

[3] ONU – Organizações da Nações Unidas. A agenda 2023 para um desenvolvimento sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2020-09/agenda2030-pt-br.pdf

[4] Portaria PGFN nº 1.241/2023. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=134006

[5]Notícia: Empresa reduz em 80% dívida com União com ações ESG. Disponível em: https://news.fcrlaw.com.br/news/empresa-reduz-em-80-divida-com-uniao-com-acoes-esg/

[6]Magalu. Trainee exclusivo para negros. Disponível em: https://ri.magazineluiza.com.br/Download.aspx?Arquivo=MQIFpHE6v0pa1c+RcgMp6A==