Faltando pouco mais de dois meses para o aniversário de um ano da publicação da Portaria PGFN 1.241/2023 – segundo a qual, no âmbito da transação tributária federal, deverão sempre que possível ser observados aspectos atrelados às estratégias ESG[1] –, parece que, na prática, o benefício por ela introduzido foi completamente esquecido.
Corrobora com o disposto o fato de que, até o momento, só foram publicados dois acordos de transação tributária individual que, com base nas informações divulgadas pelo governo federal[2], preveem cláusulas ESG.
Conheça o JOTA PRO Tributos, a plataforma de monitoramento para empresas e escritórios, que traz decisões e movimentações do Carf, STJ e STF
No entanto, diante das inúmeras catástrofes climáticas que assolam o Brasil, tal como as queimadas em São Paulo e as enchentes no Rio Grande do Sul, é inegável a necessidade de implementação de instrumentos que busquem conciliar os interesses econômicos, sustentáveis, sociais e de governança corporativa.
O setor privado, por exemplo, tem adotado práticas que buscam equilibrar os interesses supracitados. Trata-se, em síntese, das práticas ESG (Environmental, Social and Governance)[3], as quais buscam impulsionar mudanças em prol do desenvolvimento sustentável, através da integração de aspectos sociais, ambientais e de governança corporativa[4].
O Poder Público, por seu turno, atuando como stakeholder externo, e visando o cumprimento da Agenda 2030 da ONU, também parece estar implementando políticas públicas com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento ambiental e social. Neste contexto, insere-se a Portaria 1.241/2023.
Ocorre que, após a publicação da Portaria supracitada, as partes envolvidas na transação tributária federal, além de cumprir as exigências e as condições já estabelecidas, precisam observar, sempre que possível, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Assim, através de concessões recíprocas, a PGFN busca estimular o desenvolvimento de práticas ESG atreladas aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Através da introdução das estratégias de ESG na transação tributária federal o Poder Público busca, dentre outras coisas, conciliar os interesses econômicos, sociais e sustentáveis a partir do estímulo a implementação de: (i) práticas de proteção do meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável; (ii) projetos que busquem fomentar os direitos sociais; e (iii) técnicas que envolvam a governança corporativa. Em contrapartida, as empresas que optarem por aderir às práticas ESG receberão mais benefícios no âmbito da transação tributária federal, do que aqueles contribuintes que optarem por não aderir.
É inegável que Portaria PGFN 1.241 representa um marco positivo no Brasil, visto que busca equilibrar os interesses financeiros, permitindo a auto regularização do passivo fiscal das empresas, com a responsabilidade ambiental, social e de governança corporativa. No entanto, ao que parece, na prática, o benefício introduzido pela respectiva Portaria foi esquecido, uma vez que, conforme disposto anteriormente, só existem dois acordos – publicizados – que possuem cláusulas ESG.
Sabe-se que a relação existente entre a transação tributária e as práticas ESG ainda é relativamente nova e pouco discutida dentro do ambiente jurídico. Contudo, as inovações introduzidas pela Portaria supracitada não podem ser esquecidas, tendo em vista que a implementação de instrumentos que busquem fomentar comportamentos que privilegiem o prisma ambiental, social e de governança corporativa é essencial para o desenvolvimento do país.
Inclusive, é inegável que os interesses econômicos, sustentáveis e sociais precisam estar cada vez mais alinhados em prol do desenvolvimento dos direitos e das garantias fundamentais. Sabe-se que muitos paradigmas precisarão ser alterados, no entanto, conforme ressalta Fernando Pessoa em “Tempo de travessia”:
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas / Que já tem a forma do nosso corpo / E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares / É tempo da travessia / E se não ousarmos fazê-la / Teremos ficado para sempre / À margem de nós mesmos”.
Para o Brasil é tempo de travessia e, parafraseando Fernando Pessoa, é o momento certo para arriscar atravessar, sob pena de deixar o país para sempre à margem de si mesmo.
Sem dúvidas, o Brasil ainda tem muito a evoluir com relação às práticas sustentáveis, sociais e de governança corporativa. No entanto, ainda que o caminho seja longo, com a reunião de instrumentos assertivos, tais como a transação tributária e as práticas ESG, é possível preservar e desenvolver os direitos e as garantias fundamentais, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado e os direitos sociais, para as presentes e futuras gerações.
[1] Art. 18-A. Sempre que possível, na celebração das transações, serão observados e perseguidos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, devendo-se buscar efeitos positivos a partir das concessões recíprocas que decorrerem do negócio. Parágrafo único. São objetivos de desenvolvimento sustentável aqueles previstos na Resolução A/Res 70/1, de 25.09.2015, da Assembleia Geral das Nações Unidas, subscrita pela República Federativa do Brasil (BRASIL, 2023).
[2]https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/noticias/2023/compromisso-socioambiental-amplia-sua-importancia-na-transacao-tributaria
[3] A título de complementação, destaca-se que a doutrina compreende que o conceito de ESG se relaciona com os fundamentos do Triple Bottom Line – também conhecido como tripé da sustentabilidade – criado por John Elkington na década de 90. Em síntese, o modelo de gestão desenvolvido por John não analisa somente o lucro, mas também aspectos sociais e ambientais atrelados à atividade da empresa (OLIVEIRA, Lucas Rebello de; MEDEIROS, Raffaela Martins. [et al.]. Sustentabilidade: da evolução dos conceitos à implementação como estratégia nas organizações. São Paulo, v. 22, n. 1, p.70-82, jan./fev. 2012. <http://www.scielo.br/pdf/prod/v22n1/aop_0007_0245.pdf>, p.p. 71-73). No entanto, o termo ESG, especificamente, tornou-se popular a partir de 2004, com a publicação do relatório “Who Care Wins: Connecting Financial Markets to a Changing World”.
[4] A Universidade de Harvard elaborou um documento no qual são apontadas algumas das iniciativas atreladas às premissas do ESG, sendo elas: O “E” está ligado à eficiência de energia, políticas de carbono, emissões de gases de efeito estufa, desmatamento, biodiversidade, mudanças climáticas e mitigação de poluição, gestão de resíduos e uso de água. O “S” cobre as normas trabalhistas, salários e benefícios, local de trabalho e diversidade do conselho, justiça fiscal, igualdade salarial, direitos humanos, gestão de pessoas, relações com a comunidade, privacidade e proteção de dados, saúde e segurança no trabalho, gestão da cadeia de abastecimento e outro capital humano e questões de justiça fiscal. O “G” abrange a governança das categorias “E” e “S” – composição e estrutura do conselho corporativo, supervisão e conformidade de sustentabilidade estratégica, remuneração executiva, contribuições políticas, lobby e corrupção” (BARRETO, Rodrigo Moreno Paz. ESG e a tutela constitucional da sustentabilidade. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2021. http://bibliotecatede.uninove.br/handle/tede/2967>. p. 26).