As enchentes devastadoras que assolam 90% do território do Rio Grande do Sul e deixam um rastro de destruição, perdas humanas, ambientais, econômicas e também uma reflexão sobre a gestão de crises em tempos de urgências climáticas.
Num momento de calamidade como a que vivemos, os problemas se intensificam e se sobrepõem: a busca por sobreviventes, ajuda a desabrigados, falhas no abastecimento de alimentos, estradas bloqueadas, danos a escolas e hospitais, prejuízos que atingem cifras estratosféricas, próximas de afetarem o PIB do país. Uma realidade que pode ser comparada à de uma guerra, trazendo demandas de diversas ordens difíceis de se coordenar.
Para além das valiosas lições sobre solidariedade e responsabilidade coletiva que emergem do caos na região, precisamos analisar quão importante é uma gestão de crise sólida e transparente. A comunicação entra em cena como um farol que aponta para a necessidade de informações alinhadas, verdadeiras e que tragam articulação e direcionamento.
Numa guerra, um dos principais inimigos é a desinformação. Winston Churchill sabia disso e soube usar sua excepcional habilidade de se comunicar e de inspirar as massas durante um dos períodos mais críticos da história mundial. “A mentira roda meio mundo antes de a verdade ter tido tempo de colocar as calças”, dizia o ex-primeiro-ministro britânico.
É o que estamos vendo no meio da crise do Rio Grande do Sul. Movimentos de desinformação vão atrapalhando os esforços de autoridades e voluntários e deixando o cenário ainda mais vulnerável. Como lidar com publicações que questionam a credibilidade das ações para arrecadar recursos a serem destinados à população atingida?
Uma pesquisa da consultoria Quaest mostrou que 31% dos entrevistados disseram ter recebido alguma fake news relacionada à tragédia no sul do país. O efeito disso é tão nocivo que autoridades têm que vir a público a todo instante desmentir notícias falsas sobre doações para vítimas do desastre, quando poderiam estar usando esse precioso tempo no socorro aos gaúchos. O Governo Federal instalou uma sala de situação para discutir ações de combate às mentiras nas redes.
A polarização política desvia o foco do debate, obscurecendo a urgência de soluções eficazes, quando o que deveria prevalecer seria a união de esforços para mitigar os impactos das chuvas no Estado.
Há ainda o negacionismo em relação ao aquecimento global, que cria um ambiente de ceticismo, alienação e fake news e dificulta a conscientização pública e a mobilização política e social para encontrar as soluções não só para o que estamos testemunhando no Sul, mas também para os desastres naturais que vêm se intensificando em todos os cantos do planeta e se tornarão cada vez mais frequentes.
Carlos Nobre, climatologista e um dos cientistas mais respeitados do Brasil, alerta que “as mudanças climáticas apontam que os eventos extremos já estão acontecendo no mundo todo e não tem mais jeito de voltar. O Rio Grande do Sul devia estar preparado, pois aquele tipo de evento ia acontecer de novo e aconteceu muito rápido, oito meses depois. Não há mais espaço para o negacionismo”
Se esta é mais uma das tragédias anunciadas, é preciso sim apontar responsabilidades. A insignificância de investimentos em prevenção explica a dimensão da catástrofe, que afetou mais de 2 milhões de pessoas. E a demora em se estabelecer uma gestão da comunicação só contribuiu para ampliar os estragos.
Cabe aos gestores encarar o desafio que é entender a complexidade da informação em tempo real, em meio a uma crise de confiança que impacta de forma profunda os procedimentos e padrões de comunicação.
Quadros sombrios como esse exigem respostas rápidas, uníssonas e a capacidade de coordenar uma mensagem coesa e unificada, de modo a dissipar as inseguranças e fazer a ajuda chegar às mãos de quem mais precisa. É hora de união, de reconstruir o que se perdeu. Mas é fundamental que se entenda de uma vez por todas que a boa comunicação também tem poder de salvar vidas e mudar realidades.