O Brasil apertou o cerco contra o planejamento patrimonial internacional com a aprovação da Lei 14.754/2023. A nova norma mudou a regra do jogo: lucros de empresas controladas no exterior passaram a ser tributados no Brasil mesmo antes de serem distribuídos, encerrando décadas de uso de estruturas offshore para diferimento tributário.
Nesse contexto, uma nova alternativa começa a ganhar tração: tokenizar investimentos no exterior. Em vez de deter ações de uma offshore, o investidor compra um ativo digital que representa, de forma segregada, sua posição econômica em uma carteira administrada fora do país. Com o token, o investidor continua fora do alcance da tributação antecipada.
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A brecha (lícita) que a nova lei deixou
Apesar do endurecimento no tratamento de controladas no exterior, a própria Lei 14.754 preservou o regime de caixa para as chamadas aplicações financeiras no exterior. Nesses casos, o imposto de renda só é devido quando o contribuinte realiza efetivamente o ganho (por exemplo, ao vender uma ação ou resgatar um fundo).
Esse conceito foi reforçado pela Instrução Normativa RFB 2.180/2024, que incluiu ativos virtuais e arranjos financeiros com ativos digitais dentro da definição de aplicação financeira.
Mais importante ainda: a Receita Federal esclareceu, em seu FAQ oficial, que o local do emissor do token é irrelevante. O que importa é onde o ativo está custodiado ou negociado. Se isso ocorrer fora do Brasil, estamos diante de um investimento no exterior.
Ou seja: se bem estruturado, o token entra no regime de caixa e escapa da tributação automática aplicável às offshores.
Mas que token é esse?
O modelo mais discutido no mercado é o do account token: um ativo digital que representa um direito sobre uma carteira de investimentos real, mantida sob custódia no exterior. Cada token equivale a uma fração da carteira (um shard), e o investidor só consegue realizar o valor daquele ativo ao vendê-lo ou resgatá-lo.
O ponto-chave aqui é que o token não é uma empresa, nem um fundo, nem um trust. Ele não tem personalidade jurídica. Para o Direito brasileiro, ele é tratado como bem, assim como um carro, um imóvel ou uma obra de arte.
Isso significa que o investidor não controla diretamente os ativos subjacentes, nem pode distribuí-los a qualquer momento. Ele apenas observa a valorização do token. O acesso ao capital só acontece se ele alienar o token no mercado secundário ou fizer o resgate.
Essa “opacidade” jurídica, em que o ativo digital separa o investidor da carteira, é o que sustenta o argumento de que estamos lidando com uma aplicação financeira, e não com uma entidade controlada.
Onde está o respaldo?
A tese foi explorada por Luiz Flávio Paína Resende Alves e Carlos Theofilo Lamounier em artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas, onde analisam como os account tokens, quando bem estruturados, podem ser enquadrados como aplicações financeiras no exterior e, com isso, seguir no regime de caixa mesmo após a nova lei.
O entendimento, até agora, é de que o modelo se sustenta juridicamente desde que o token tenha lastro real, seja custodiado por instituição estrangeira e o investidor não tenha poderes de controle sobre os ativos.
Quais os riscos?
Como todo planejamento fiscal, há riscos. O principal é a Receita reinterpretar essas estruturas como entidades disfarçadas, especialmente se identificar algum elemento que possa ser equiparado a controle ou à figura de uma sociedade.
Por isso, o cuidado está nos detalhes: não pode haver poderes de decisão sobre a alocação dos ativos por parte do investidor, nem governança colegiada, nem segregação jurídica que se aproxime de uma empresa.
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Enquanto isso não acontece – e enquanto não vier uma norma em sentido contrário – a tese permanece válida. E, na ausência de offshore ou fundo estrangeiro, a tokenização se apresenta como uma alternativa eficiente e legal para quem busca o deferimento sem a burocracia internacional.
Em um mundo onde a regulação fiscal internacional avança para coibir estruturas artificiais, a tokenização surge como uma resposta moderna e tecnicamente defensável. Para muitos investidores brasileiros, essa pode ser a próxima fronteira entre eficiência, segurança e legalidade.