Tokenização de ativos e valores mobiliários

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A tokenização de ativos e valores mobiliários está remodelando o panorama dos investimentos financeiros, prometendo democratizar o acesso ao mercado de capitais e oferecer maior liquidez a ativos anteriormente considerados ilíquidos. No entanto, este avanço inovador enfrenta vários desafios que precisam ser superados para alcançar seu pleno potencial.

Em linhas gerais, a tokenização envolve a conversão de ativos reais ou financeiros em tokens digitais que podem ser negociados em plataformas de blockchain. Esta tecnologia permite a representação digital de qualquer ativo, como imóveis, ações, títulos, entre outros, facilitando a negociação e aumentando a acessibilidade para investidores de todos os portes[1]. A tokenização não se limita a ativos tangíveis, pois também pode incluir ativos intangíveis, como direitos de propriedade intelectual e royalties, ampliando ainda mais o escopo e aplicação.

Entre as principais vantagens da tokenização de ativos estão a liquidez, a eficiência nas transações, a redução de custos e a democratização do acesso ao mercado de capitais. A tokenização permite que ativos que antes eram ilíquidos, como imóveis, sejam fracionados e negociados de forma mais acessível[2]. Além disso, a transparência proporcionada pela tecnologia blockchain proporciona mais confiança dos investidores, uma vez que todas as transações são registradas de forma imutável[3].

No mercado imobiliário, a tokenização permite a investidores comprarem frações ideais de determinada propriedade, de forma direta e com menos intermediários envolvidos do que em transação imobiliária tradicional. Isso facilita o acesso a investimentos imobiliários para público mais amplo, que pode não ter capital suficiente para adquirir o imóvel inteiro.

Outro caso é a emissão de títulos de dívida privada tokenizados, que pode simplificar processos complexos de emissão e negociação, reduzindo custos e aumentando a eficiência. Um exemplo recente é a tokenização de um resort de luxo em Aspen, nos Estados Unidos, onde partes do imóvel foram vendidas como tokens para investidores de todo o mundo[4].

A tokenização também pode proporcionar maior inclusão financeira. Segundo o Banco Mundial, cerca de 1,7 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso a serviços financeiros básicos. A tokenização pode ajudar a mitigar esse problema ao reduzir barreiras de entrada e permitir que mais pessoas participem de mercados financeiros anteriormente inacessíveis[5].

Grandes instituições estão explorando a tokenização para aumentar a eficiência e reduzir custos. Um exemplo é a emissão de bond digital de € 60 milhões pela alemã Siemens, que foi vendido diretamente a investidores institucionais sem a necessidade de intermediários[6].

A tokenização de ativos culturais e de entretenimento também está ganhando tração. Tokens não fungíveis (NFTs) têm sido usados para representar a propriedade de obras de arte digitais e outros itens colecionáveis, criando formas de monetização para artistas e criadores de conteúdo. Por exemplo, plataformas como a NBA Top Shot permitem que fãs comprem e vendam momentos históricos de jogos de basquete como NFTs, criando novo mercado para colecionáveis digitais[7].

Entretanto, a tokenização enfrenta desafios significativos, especialmente no Brasil, onde o setor necessita de um marco regulatório claro, segurança cibernética robusta e proteção ao investidor. A ausência de regulamentação harmonizada gera incerteza e pode dificultar o desenvolvimento do mercado[8].

Além disso, a segurança cibernética é uma preocupação crucial, dado o risco de fraudes e ataques em plataformas descentralizadas[9]. Os ativos tokenizados são armazenados em carteiras digitais, que estão suscetíveis a ataques cibernéticos. Portanto, é crucial que as plataformas de tokenização implementem medidas robustas de segurança para proteger os ativos dos investidores, conforme estabelece o Decreto 11.563, de 13 de junho de 2023.

Reguladores como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm emitido orientações sobre a natureza dos tokens como valores mobiliários, destacando a importância de conformidade com as normas existentes. A CVM, por exemplo, tem abordado a questão dos “tokens de recebíveis” ou “tokens de renda fixa” como valores mobiliários, conforme o Ofício-Circular 4/2023, emitido com a intenção de orientar a interpretação e utilização da Lei 14.478, de 21 de dezembro de 2022.

A referida lei ainda estabelece diretrizes para a prestação de serviços de ativos virtuais e inclui medidas de prevenção à lavagem de dinheiro e proteção do consumidor. Tais orientações são essenciais para assegurar a criação de melhores práticas de mercado, alinhadas com os regulamentos e proteções de outras jurisdições mais maduras.

Nesse sentido, é possível perceber que a CVM tem trabalhado para harmonizar as regulamentações locais com as práticas internacionais, promovendo a integração do Brasil no mercado global de tokenização.

O Banco Central também tem desempenhado papel ativo na regulação de ativos virtuais. O Edital de Consulta Pública 97/2023, por exemplo, aborda questões relacionadas à custódia e à negociação de criptoativos, estabelecendo requisitos claros para as instituições financeiras que desejam atuar nesse mercado.

Assim, é possível perceber que apesar dos desafios, a tokenização de ativos e valores mobiliários oferece um potencial revolucionário para democratizar o acesso ao investimento e inovar o mercado financeiro. Superar os obstáculos regulatórios, de segurança e de custos é importante para realizar plenamente esse potencial. A colaboração entre governos, reguladores, empresas e investidores será fundamental para desenvolver um mercado de tokenização seguro, eficiente e inclusivo[10].

[1] McKinsey. What is Tokenization (2023).

[2] FIREBLOCKS. Tokenization (2023).

[3] Ofício CVM-SSE 04-2023.

[4] https://medium.com/@jianhao.lm/state-of-real-estate-tokenization-2023-cbedc2a2e8d.

[5] BCB Edital Consulta Pública 97 (2023).

[6] https://blockworks.co/news/german-conglomerate-siemens-issues-e60m-digital-bond-on-polygon.

[7] https://dappradar.com/dapp/nba-topshot.

[8] OECD. Tokenization of assets (2024).

[9] Parecer CVM 40 (2022).

[10] FIREBLOCKS. Tokenization (2023).