Terço de férias: uma modulação que prestigia a segurança jurídica

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A segurança jurídica importa para o desenvolvimento econômico. Há extensa literatura e dados que correlacionam a existência de sistemas jurídicos previsíveis e economias prósperas. O Supremo Tribunal Federal (STF), por figurar no vértice do sistema judiciário, tem papel primordial nessa relação.

No dia 12 de junho, o plenário do STF finalizou o julgamento iniciado em 2021 sobre a modulação de efeitos do acórdão do RE 1.072.485/PR (Tema 985 da repercussão geral). Após mais de uma década de discussão perante os Tribunais Superiores e quase quatro anos após a oposição dos embargos contra o acórdão em que se fixou a tese de que “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”, a questão parece ter chegado a um desfecho justo.

Prevaleceu o voto divergente do ministro Luís Roberto Barroso, acompanhado por mais seis ministros, ressalvando da cobrança retroativa todos os contribuintes e permitindo a repetição de indébito àqueles que pagaram e impugnaram judicialmente os valores em discussão até a data da publicação da ata de julgamento do acórdão embargado, 15/09/2020.

Na linha de outros julgados, a corte reconheceu que a alteração de jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob a sistemática repetitiva justifica a modulação. O STF não apenas valorizou a segurança jurídica, como conferiu a melhor interpretação ao art. 927, §3º, do CPC, ao reiterar que o sistema de precedentes brasileiro é integrado, cuja coerência depende não da visão isolada de cada Tribunal Superior, mas de uma abordagem que considera os efeitos sociais e econômicos dos julgados vinculantes.

Como demonstrado no processo pelos embargantes – dentre eles, a Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), amicus curiae representado também pelos autores deste artigo –, após o julgamento de mérito, em 2020, a tese fixada no Tema 985 divergiu integralmente do entendimento firmado, em 2014, pelo STJ no REsp 1.230.957/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos (Tema 740).

Ao reconhecer o acórdão firmado em repetitivo como parte do sistema de precedentes, bem como sua superveniente alteração no julgamento constitucional da questão, a modulação proposta pelo ministro Barroso visa justamente proteger os contribuintes que confiaram na decisão do STJ e se organizaram conforme o entendimento vinculante.

O voto vencedor ressaltou a importância do comportamento da PGFN e do STF ao longo dos anos, e destacou que, desde 2011, o STF vinha negando repercussão geral à discussão sobre a natureza jurídica de verbas para a contribuição previdenciária. A PGFN chegou a editar um ato de dispensa de contestar e recorrer, revogado após o julgamento do Tema 20.

A surpresa do reconhecimento da repercussão geral e a mudança de jurisprudência foram motivos essenciais para que o Supremo protegesse a segurança jurídica dos contribuintes, como destacou o relator: “Com o reconhecimento da repercussão geral e o julgamento de mérito deste recurso, há uma alteração no entendimento dominante, tanto no âmbito do próprio STF, quanto em relação ao que decidiu o STJ em recurso repetitivo”.

 Em relação ao marco temporal para a modulação e suas ressalvas – publicação da ata de julgamento do acórdão embargado –, o ilustre procurador fazendário suscitou na tribuna que a Corte deveria ressalvar apenas ações ajuizadas até o reconhecimento da repercussão geral. Alegou que, a partir da afetação, 8.300 ações se somaram às mais de 5.000 já existentes, aumentando a litigiosidade.

A proposta, contudo, não se sustenta. Primeiro, porque, como bem reconhecido pelos ministros Barroso, Fux e Toffoli, contraria orientação já consolidada do STF sobre o assunto, demandando, no mínimo, mais aprofundada reflexão.

Segundo, porque, como ressaltado pelo ministro Toffoli, o reconhecimento da repercussão geral sinaliza apenas que o STF poderá julgar o mérito do recurso com efeitos transcendentes. Afirmou que a afetação não deveria impedir o amplo acesso ao Judiciário, tampouco ser usada como marco temporal para a modulação das decisões do Supremo.

Terceiro porque, especificamente quanto ao tema das contribuições sobre o terço de férias, respeitosamente, o “pedido surpresa” feito pela PGFN desconsiderou os motivos pelos quais milhares de ações foram ajuizadas mesmo antes afetação do recurso. A União, apesar da tese repetitiva (e vinculante, portanto) pela não incidência, insistia em autuar os contribuintes, o que levou ao ajuizamento de ações preventivas ou repressivas para fazer valer o precedente do STJ. 

Com o reconhecimento da repercussão geral em 2018, o número de processos sobre o tema aumentou justamente porque, até então, a maioria dos contribuintes se sentia segura com o acórdão repetitivo do STJ, considerando que o STF tratava a controvérsia como infraconstitucional. Isso resultou em surpresa diante do novo cenário e da possibilidade real de alteração do entendimento do STJ, o que de fato ocorreu. 

As expectativas dos contribuintes que recorreram ao Judiciário não poderiam ser abruptamente ignoradas pela corte. É louvável, portanto, a escolha do STF de manter sua jurisprudência sobre modulação, protegendo a segurança jurídica. Prestigiaram-se a estabilidade e a confiança no Poder Judiciário ao reconhecer que os efeitos negativos das divergências entre os Tribunais Superiores devem ser mitigados. Saem fortalecidos o sistema de precedentes, os Tribunais e toda a sociedade.