A reviravolta no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que definirá se empresas de um mesmo grupo econômico podem ser incluídas na fase de cobrança de uma condenação trabalhista (execução) tem sido vista com receio por representantes dos trabalhadores. Se prevalecer o entendimento de que a inclusão não pode ocorrer (por ora o placar é de 5 a 1), eles temem que dificulte ainda mais o pagamento de verbas devidas em casos em que a empresa processada não arca com os débitos.
O cenário prenunciado é de agravamento de uma situação que já afeta o fluxo da Justiça do Trabalho. Entre 2017 e 2023, o percentual de casos pendentes de execução na Justiça do Trabalho em relação ao estoque total de processos passou de 44,1% para 58,3%, segundo o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Muitos desses processos estão parados por não se localizar bens dos devedores para satisfazer a execução.
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Por outro lado, representantes de empresas veem a possibilidade de consolidação do entendimento com alívio. Eles alegam que existem casos em que há abuso da Justiça do Trabalho ao considerar o grupo econômico e que o veto à inclusão na fase de execução aumentaria a segurança jurídica do ambiente de negócios brasileiro.
O julgamento do RE 1387795, que tem repercussão geral reconhecida Tema 1.232 e deve impactar mais de 110 mil ações paradas à espera da decisão, mudou de rumos na última sessão, realizada no fim de fevereiro.
Na ocasião, seis ministros votaram antes de a análise ser interrompida por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Desses, cinco se posicionaram contra a possibilidade de inclusão –entendimento encabeçado pelo ministro Cristiano Zanin.
O resultado parcial contrasta com o caminho que a Corte estava traçando em análise anterior do tema, no plenário virtual. Antes de ser zerado por pedido de destaque de Zanin, o placar virtual estava em 4×0 pela possibilidade de inclusão, desde que devidamente justificada em um incidente prévio de desconsideração da personalidade jurídica. Prevalecia entendimento do ministro Dias Toffoli, relator.
No julgamento presencial, Toffoli chegou a reiterar essa posição, mas acabou alterando seu voto para acompanhar Zanin. Os ministros Flávio Dino, André Mendonça e Nunes Marques também seguiram Zanin. Até o momento, somente o ministro Edson Fachin votou a favor da inclusão sem exigência de condicionantes adicionais.
Reflexos para os trabalhadores
Para o advogado Ricardo Carneiro, sócio da LBS advogados, o entendimento de Zanin pode, em muitos casos, dificultar a execução de créditos trabalhistas e encarregar o trabalhador de ter que presumir, já ao ajuizar a ação, uma eventual má fé do empregador ou insolvência futura. A LBS presta assessoria jurídica para a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
“Mais uma vez o STF joga nas costas do reclamante –que no âmbito do processo do trabalho é um hipossuficiente e, em razão disso, deveria ser protegido– a responsabilidade de se apurar determinados dados que, muitas vezes, ele não tem capacidade de fazer”, afirma.
Carneiro destaca que, comumente, esses créditos trabalhistas envolvem créditos alimentares, e, sendo assim, a própria subsistência do trabalhador.
O advogado pondera que não vê a interpretação que prevalece agora como tão diferente da anteriormente proposta por Toffoli, mas ressalta que ela é mais restritiva, uma vez que o trabalhador teria que fazer essas presunções logo de início.
Ele observa que parte das decisões da Justiça do Trabalho posteriores à Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) já executavam o procedimento de incidente prévio de desconsideração da personalidade jurídica sugerido por Toffoli como condicionante para a inclusão do grupo econômico na fase de execução.
Carneiro, em contrapartida, chama a atenção para características que considera positivas no voto divergente de Fachin. “Ele destaca que o processo do trabalho tem suas características próprias e que o empregado pode sim incluir um terceiro, porque o empregado não tem que entrar no processo já presumindo a má fé ou a insolvência do empregador”.
A interpretação é corroborada pelo secretário nacional de assuntos jurídicos da CUT, Valeir Ertle. “Imagina, como tornaria ainda mais demorado um processo, se o reclamante tiver, já na petição inicial, que incluir as empresas do grupo! Isso não faz sentido! Todas elas respondem, mesmo quando não participaram do processo diretamente”, afirma.
Ertle frisa que muitas vezes, já no final do processo, quando empresas não arcam com os pagamentos dos créditos trabalhistas, há empresas do mesmo grupo que “estão bem e em condições de assumir um crédito de natureza alimentar”.
Alívio para as empresas
O advogado Rafael Caetano de Oliveira, sócio de Trabalhista e Sindical do Mattos Filho, por outro lado, analisa que a interpretação de que um cenário em que prevalece a tese de Zanin seria prejudicial para os trabalhadores deriva de uma linha que quer “satisfazer o débito a qualquer custo”.
Ele argumenta que a possibilidade de inclusão das empresas do mesmo grupo econômico somente na fase de execução cria um cenário de insegurança jurídica e que pode prejudicar não só empresários, mas também trabalhadores de empresas que até aquela inclusão estavam com a atividade econômica regular, ou seja, com o pagamento de dívidas, contas e obrigações trabalhistas em dia.
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“Uma empresa sólida que cumpre todas as obrigações trabalhistas dos seus empregados às vezes quebra porque tem que assumir uma dívida que não é dela, de processos que ela nem participou”, pontua.
O advogado considera que uma eventual aprovação da tese de Zanin seria um “respiro” para a segurança jurídica e destaca que há uma diferença importante entre o posicionamento anterior de Toffoli e a nova corrente predominante.
Segundo Oliveira, o incidente prévio de desconsideração da personalidade jurídica, previsto por Toffoli como condicionante para a inclusão, resolvia só parte da discussão. Ele permitiria a discussão se a empresa faz ou não parte do grupo econômico, mas uma vez que ela fosse considerada como integrante continuaria sem ter tido o direito ao contraditório e à ampla defesa em discussões que ocorreram durante a fase de conhecimento do processo, como o valor do direito ou mesmo se ele era devido ou não, detalha o advogado.
O ponto de vista é similar ao da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O diretor jurídico da confederação, Alexandre Vitorino, afirma que o cenário atual, em que a inclusão muitas vezes é feita pela Justiça do Trabalho, não é saudável para o ambiente de negócios brasileiro. “É de surpresa, imprevisibilidade e insegurança jurídica que torna os empreendimentos muito mais arriscados”, diz.
Ele afirma que a CNI defende que seja aplicada a essa discussão as previsões do devido processo legal, assegurando a possibilidade de defesa. “A CNI não defende que os créditos não sejam satisfeitos. O que dizemos é que seja responsabilizado quem se defendeu. Havendo a participação de outras empresas do mesmo grupo econômico e sendo estabelecido que há um grupo econômico, elas poderão, eventualmente, serem responsabilizadas, mas precisam ter tido a chance de se defender lá atrás.”
Para Vitorino, se aprovada, a tese de Zanin tende a melhorar esse ambiente. O executivo ressalta, no entanto, que será necessário que a Justiça do Trabalho seja “fiel” ao entendimento e pontua que, em outros assuntos, como terceirização, há muitas reclamações constitucionais enviadas ao Supremo questionando decisões da Justiça especializada que decidiram de forma diferente dos precedentes estabelecidos pela Corte.
Caminho alternativo
O advogado Leonardo Carvalho, sócio de Trabalhista do Barreto Veiga Advogados, observa que mesmo com a aprovação da tese de Zanin, ainda pode haver um caminho alternativo para os advogados de trabalhadores nos casos que envolvem empresas nas quais realmente houve esvaziamento patrimonial proposital, para evitar o pagamento de dívidas trabalhistas: seguir o caminho do dinheiro.
“Será necessário verificar por meio de ofícios, de pedidos ao juiz, se houve transferências de dinheiro oriundos da empresa para algum sócio ou outra empresa”, diz. “Seria um caminho para eventualmente dizer que esse dinheiro chegou a uma outra empresa, no decurso do tempo de uma ação judicial, sendo que ele deveria ter sido utilizado para arcar com verbas trabalhistas.”
Essa alternativa, diz, se aceita pelos juízes, pode permitir que empresas inidôneas não saiam ilesas, mesmo sem a possibilidade de inclusão no polo passivo por alegação de grupo econômico.
O julgamento
Em sessão realizada em 19 de fevereiro, Zanin afirmou que, à luz dos princípios constitucionais que estabelecem o direito ao contraditório e à ampla defesa, não cabe a inclusão de empresa do mesmo grupo econômico já na fase de execução, uma vez que ela não poderá contestar tanto a obrigação de pagar quanto o valor devido, além de questionar se realmente faz parte do grupo econômico.
O ministro ressaltou que, ao entrar com a ação, o trabalhador pode escolher se processa apenas uma empresa ou se inclui outras do grupo econômico desde o início, e que isso já configura uma proteção especial ao trabalhador. Ele também diferenciou a responsabilidade por fazer parte de um grupo econômico da desconsideração da personalidade jurídica, que, segundo afirmou, ocorre em casos de abuso de poder ou sucessão empresarial.
“Haverá necessidade de desconsideração? Sim, talvez na fase de conhecimento ou na execução, na hipótese de sucessão, porque aí tenho que verificar qual é a empresa que eventualmente recebeu o fundo de comércio, que recebeu parte substancial daquele devedor. E no abuso de poder do público, do poder da personalidade jurídica”, ponderou.
Zanin sugeriu a seguinte tese:
“1 – O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo, devendo o reclamante indicar na petição inicial as pessoas jurídicas corresponsáveis solidárias contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses de grupo econômico (artigo 2°, parágrafos 2° e 3°, da CLT), demonstrando concretamente, nesta hipótese, a presença dos requisitos legais.
2 – Admite-se, excepcionalmente, o redirecionamento da execução trabalhista ao terceiro que não participou do processo de conhecimento nas hipóteses de sucessão empresarial (artigo 448-A da CLT) e abuso da personalidade jurídica (artigo 50 do CC), observado o procedimento previsto no artigo 855-A da CLT e nos artigos 133 a 137 do CPC.
3 – Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017, ressalvada a indiscutibilidade relativa aos casos já transitados em julgado, aos créditos já satisfeitos e às execuções findas ou definitivamente arquivadas.”
Ao alterar seu voto para acompanhá-lo, Toffoli, o relator, afirmou que a tese proposta por Zanin deve fornecer mais segurança jurídica e evitar dúvidas futuras sobre o tema.
Por enquanto, o único a divergir foi o ministro Edson Fachin. Ele afirmou que, em seu entendimento, empresas do mesmo grupo podem ser incluídas já na fase de execução. Ele argumentou que a CLT não exige que elas tenham participado da fase inicial do processo, conforme os parágrafos 2º e 3º do artigo 2º.
“O processo trabalhista tem autonomia em relação ao processo civil, e as regras de direito material da CLT são independentes das previstas no Código Civil”, acrescentou.
Moraes afirmou que pretendia trazer seu voto logo após o Carnaval, mas por ora, não há data para o julgamento.