Desde que a modalidade de teleperícia foi proposta no âmbito da perícia médica federal, especialmente no INSS, a narrativa oficial sustentou-se na promessa de desburocratização, economia de recursos e ampliação do acesso aos serviços.
Contudo, a prática diária demonstra que, longe de ser uma solução eficaz, essa modalidade tem se revelado uma alternativa tecnocrática e ineficiente, que compromete a qualidade da avaliação pericial, fragiliza os direitos dos segurados e desvaloriza o papel do perito médico federal.
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A perícia médica não é uma etapa meramente burocrática — trata-se de um ato médico, técnico, minucioso e insubstituível, que exige o contato direto com o periciado. A observação clínica, os testes físicos, o comportamento durante o exame e a presença de sinais objetivos são elementos que não podem ser substituídos por imagens, documentos ou chamadas de vídeo. Tentar substituir essa interação presencial por uma análise documental remota fere os princípios da boa prática médica e compromete seriamente a credibilidade do laudo pericial.
Do ponto de vista técnico, a teleperícia coloca o perito médico federal em posição de vulnerabilidade. Sem o exame direto do paciente, o profissional tem sua autonomia médica reduzida, baseando-se exclusivamente em interação indireta, virtual e por imagens, que expõe uma realidade incompleta ou até mesmo inconsistente. A pressão por produtividade e celeridade, muitas vezes imposta de forma velada, agrava esse cenário, resultando em laudos frágeis, contestáveis e suscetíveis à judicialização.
É necessário destacar que não se trata de uma oposição à tecnologia. A ANMP tem defendido, há anos, a modernização dos processos, a informatização dos sistemas e o uso de ferramentas que aprimorem a gestão e a transparência das atividades periciais.
O que se critica é a adoção de soluções simplistas e generalistas para um problema estrutural. A verdadeira eficiência não pode ser construída à custa da qualidade técnica, da autonomia do perito e dos direitos do segurado.
A realidade mostra que as longas filas, os agendamentos demorados e a sobrecarga das agências do INSS não são causados pela perícia médica, mas sim pela falta de estrutura, de pessoal e de planejamento. A substituição da perícia presencial por uma modalidade remota não resolve esses gargalos — apenas cria novos problemas, muitos deles invisíveis à gestão, mas bastante visíveis na prática médica diária.
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É papel da ANMP reafirmar que a perícia médica federal é uma atividade essencial e insubstituível, que exige respeito, investimento e valorização. A tentativa de mascarar ineficiências estruturais com soluções digitais superficiais compromete o futuro do serviço público, a segurança dos benefícios e o próprio pacto de confiança entre Estado e cidadão.
A modernização é bem-vinda — mas não à custa da verdade técnica, da ética profissional e da justiça social.