Tecon Santos 10: a competição irrestrita segundo o Cade e o acórdão TCU 1.834/2024

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O projeto Terminal de Contêineres (Tecon) Santos 10 tornou-se um dos temas mais debatidos do setor portuário brasileiro. Desde sua concepção, desperta discussões acaloradas sobre a necessidade de nova capacidade, a eficiência da modelagem proposta e a participação de grupos verticalmente integrados, ou seja, armadores que também operam terminais.

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Os argumentos contrários variam: há quem defenda que o Porto de Santos já teria capacidade suficiente; outros sugerem que seria mais racional expandir contratos existentes ou transferir a área para um terminal de cruzeiros. Há ainda quem sustente que permitir a participação de empresas integradas seria prejudicial à concorrência. Mais recentemente surgiram propostas de um leilão em duas fases, que limitaria a competição na etapa inicial.

Entretanto, ao longo dos últimos anos, cada uma dessas teses foi sendo derrubada por análises técnicas e decisões institucionais consistentes. A carência de capacidade é reconhecida por todos os estudos disponíveis e pelos próprios usuários do porto, que enfrentam filas, congestionamentos e custos crescentes. O Tribunal de Contas da União (TCU) já descartou a ideia de aproveitar contratos preexistentes e de transferir o projeto para cruzeiros, por entender que essas alternativas comprometeriam a eficiência logística e aumentariam os custos para o erário e para o comércio exterior.

A tentativa de excluir armadores integrados também perdeu sustentação. Tanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) quanto a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) já afirmaram que a integração vertical, quando bem regulada, pode gerar eficiências operacionais relevantes, como melhor planejamento de investimentos, redução de custos e maior previsibilidade de escoamento. Na visão técnica desses órgãos, a verticalização é uma realidade no setor portuário mundial — e não um desvio a ser punido.

Mesmo com essa evolução, o debate ressurgiu quando o TCU solicitou à Superintendência-Geral do Cade uma manifestação sobre eventuais riscos concorrenciais do Tecon 10. A iniciativa acendeu alertas no setor, pois havia receio de que a discussão sobre a exclusão de armadores voltasse a ganhar força, agora com o respaldo de um parecer técnico.

A resposta do Cade, entretanto, foi cristalina. Na Nota Técnica Conjunta nº 1/2025/SG-DEE/CADE, o órgão concluiu que não há dano concorrencial que justifique restrições à competição e que a ideia de um leilão em duas fases seria inadequada e desproporcional. A nota colocou ponto final em um impasse que há anos rondava o projeto.

A Nota Técnica começa delimitando a competência da Superintendência-Geral do Cade, cuja função é orientar a administração pública sobre aspectos estritamente concorrenciais (art. 13, XIII, da Lei nº 12.529/2011). A análise aborda a metodologia adotada em casos de concentração econômica, considerando sobreposições horizontais e verticais, poder de mercado, incentivos e remédios antitruste, e reforça que não é possível emitir parecer conclusivo antes da licitação.

Em outras palavras, avaliar riscos de mercado sem dados concretos seria um exercício especulativo. A identificação de um risco potencial não equivale à comprovação de dano ou abuso de poder econômico. A nota é taxativa: “seria inadequado uma intervenção antitruste diante apenas de um apontamento de risco potencial”.

Isso significa que, se o próprio Cade, autoridade máxima em matéria concorrencial, reconhece a impossibilidade de se pronunciar ex ante, não cabe a outros órgãos, como o Ministério de Portos e Aeroportos, a Antaq ou o TCU, impor restrições baseadas em suposições. Qualquer tentativa nesse sentido seria tecnicamente insustentável e juridicamente frágil.

O documento também dedica parte relevante à discussão sobre integração vertical, conceito que há décadas divide opiniões no setor portuário. Segundo o Cade, a integração pode, sim, gerar riscos, mas também importantes ganhos de eficiência.

O presidente do Cade, em evento promovido pelo TCU em 2024, foi explícito: “Limitar empresas pode reduzir o número de lances, mas também pode impedir modelos de negócios mais eficientes. A integração vertical pode reduzir custos e alinhar investimentos, permitindo que empresas mais eficientes participem”.

Proporcionalidade e o risco do remédio excessivo

A proporcionalidade é um princípio central da política concorrencial. Qualquer restrição à competição deve ser necessária, adequada e suficiente para neutralizar um dano comprovado. No caso do Tecon 10, restringir a participação de determinados agentes para evitar um risco hipotético seria o oposto disso: um remédio excessivo e contraproducente.

Ao impor um leilão de duas fases, a Antaq acabaria reduzindo a disputa e prejudicando o próprio interesse público que busca proteger. A nota do Cade adverte que “remédios que ultrapassem o necessário para restaurar a concorrência podem eliminar eficiências e gerar distorções”.

O órgão reforça que, se há preocupação com eventuais riscos, a solução não é eliminar competidores, mas monitorar e corrigir condutas caso elas se concretizem. A política de defesa da concorrência é, portanto, reativa e baseada em evidências, não preventiva e especulativa.

O entendimento do Cade dialoga diretamente com o Acórdão TCU nº 1.834/2024, que analisou a licitação do terminal ITG02, em Itaguaí (RJ). Naquele caso, o Tribunal determinou a retirada de cláusulas restritivas impostas pela Antaq, condicionando qualquer limitação futura à prévia manifestação do Cade sobre risco comprovado.

O voto do relator, ministro Walton Alencar Rodrigues, foi incisivo: “A adoção de restrições sem estudos concorrenciais causa espécie, porquanto mitiga a disputa pela concessão e afeta a eficiência do empreendimento portuário.” O ministro destacou que impedir a participação de grupos econômicos “é medida excepcionalíssima”, que só se justifica mediante comprovação técnica inequívoca.

Essa posição cria um precedente vinculante para futuras licitações portuárias. Se o Cade não apontou risco real, a Antaq e o Ministério de Portos não podem restringir a competição com base em meras conjecturas. O equilíbrio entre liberdade econômica e regulação pública exige coerência institucional, e o caso do TECON 10 se tornou emblemático nesse sentido.

A conclusão é inequívoca: o Cade defende a competição ampla e irrestrita. O órgão reconhece que o ambiente portuário é naturalmente concentrado e que o desafio não é excluir agentes integrados, mas assegurar igualdade de condições e transparência. A integração vertical, por si só, não viola a concorrência, o abuso de poder econômico, sim.

Portanto, o melhor caminho para proteger o interesse público é permitir a participação de todos, estabelecendo regras claras e mecanismos de fiscalização posteriores. A exclusão preventiva seria um retrocesso, capaz de reduzir investimentos, limitar a inovação e aumentar o custo do comércio exterior brasileiro.

Além disso, a decisão tem relevância que transcende o Porto de Santos. Ela sinaliza como o Estado brasileiro deve equilibrar regulação e livre iniciativa em setores estratégicos. O Tecon 10 representa não apenas um ativo portuário, mas também um teste para a maturidade institucional do país na condução de políticas de infraestrutura.

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Restringir a licitação para supostamente proteger a concorrência seria um contrassenso jurídico e econômico. É ilógico sufocar a disputa presente para evitar uma ameaça futura e incerta. O verdadeiro risco à concorrência está justamente em eliminar competidores antes que possam competir.

Cumprir o artigo 37, XXI, da Constituição, que assegura igualdade de condições nas licitações, é, neste caso, a forma mais direta de garantir eficiência, transparência e competitividade. O Tecon Santos 10 deve ser licitado sob regime de competição irrestrita, permitindo que o mercado revele a melhor proposta, o melhor operador e, por consequência, o melhor resultado para o país.

A lição deixada pelo Cade e pelo TCU é clara: a concorrência não se defende por decreto, mas pela prática efetiva de competir. Ao eliminar barreiras artificiais, o Estado não apenas promove eficiência econômica, mas reafirma seu compromisso com a racionalidade e o interesse público.