A tecnologia quântica apresenta uma ampla gama de usos em diversas indústrias. Uma dessas aplicações é a computação quântica, que tem o potencial de revolucionar o poder computacional, resolvendo problemas complexos de forma exponencialmente mais rápida do que os computadores clássicos.
A computação quântica tem suas raízes na física quântica, que descreve o mundo microscópico. Grandes nomes como Max Planck e Albert Einstein deram início a essa teoria, seguidos por outros cientistas notáveis. Em suma, a física quântica se baseia na quantização da energia e comportamento peculiar de partículas subatômicas.
Tendo em vista o potencial avanço na capacidade de processamento que a tecnologia quântica pode proporcionar, o Fórum Econômico Mundial lançou uma iniciativa global multistakeholder chamada “Quantum Computing Governance” (governança de computação quântica). A abordagem proposta envolve estruturar conversas com as partes interessadas, criar conscientização no ecossistema sobre como a ética quântica pode ser usada para criar uma sociedade melhor; estudar os riscos inerentes, questões éticas, implicações sociais e outros impactos desconhecidos associados à computação quântica; desenvolver princípios de governança pensando na tecnologia quântica, entre outros.
A governança no tema é extremamente relevante, porque as consequências do desenvolvimento e aplicação da tecnologia ainda estão sendo reveladas. Em termos de cibersegurança, por exemplo, precisamos estar atentos às questões de quebra de criptografia. Isso porque a criptografia é o pilar das transações e comunicações na era moderna, fundamentando-se na premissa de que não existem, até o momento, algoritmos capazes de reverter operações criptográficas em tempo hábil, mesmo com o hardware mais avançado disponível, cujos prazos poderiam se estender por milhares de anos. Inclusive quando supercomputadores de última geração utilizam técnicas tradicionais de computação.
Contudo, se pensarmos no paradigma atual da computação quântica, existem algoritmos que podem acelerar de maneira substancial os cálculos necessários para comprometer a segurança de algoritmos criptográficos, como as funções de hash, a criptografia simétrica e até mesmo a criptografia de chave pública.
A quebra de criptografia nos leva a um cenário de risco mais elevado em termos de cibersegurança e violação de direitos e garantias. A exposição de informações e transações presumidamente confidenciais – como prontuários médicos, documentos de identidade, históricos financeiros e segredos de Estado – coloca em evidência a amplitude de atos ilícitos praticados no intuito de explorar essa vulnerabilidade.
Nesse sentido, o Fórum Econômico Mundial divulgou, em parceria com a Deloitte, o white paper “Quantum Readiness Toolkit: Building a Quantum-Secure Economy”, com orientações práticas para que as organizações consigam se antecipar às ameaças de risco cibernético ao longo do desenvolvimento acelerado da tecnologia quântica. O documento propõe cinco princípios, com indicação de controles relacionados à institucionalização do risco quântico, ao aumento de conscientização sobre o risco quântico na organização, priorização do risco quântico frente os riscos cibernéticos existentes, à tomada de decisão estratégica para a adoção de tecnologias emergentes como criptoagilidade e ao incentivo de colaboração com outras organizações, visando identificar riscos sistêmicos.
Nos Estados Unidos, a Agência de Segurança Cibernética e de Infraestrutura (CISA), a Agência de Segurança Nacional (NSA) e o Instituto Nacional de Patrões e Tecnologia (NIST) publicaram em agosto deste ano uma ficha técnica para informar as organizações sobre os impactos das capacidades quânticas e incentivar o planejamento prévio na adoção de padrões criptográficos pós-quânticos, por meio de um roteiro próprio. A iniciativa faz parte de um planejamento conjunto das agências, que envolve a publicação do primeiro conjunto de padrões criptográficos pós-quânticos pelo NIST em 2024. Segundo as agências, uma migração levará tempo de planejamento e execução. Motivo pelo qual as organizações devem se antecipar e realizar inventários, aplicar avaliações e análises de risco envolvendo fornecedores.
Se o aspecto da cibersegurança, por si só, já traz consequências éticas e legais importantes, a tecnologia quântica também perpassa por algumas outras questões como:
Privacidade e proteção de dados pessoais, diante de acessos não autorizados e uso indevido de dados pessoais, inclusive em larga escala;
Segurança nacional e proteção de informações confidenciais de Estado, pela vulnerabilidade de sistemas de proteção estratégicos, que podem comprometer estruturas democráticas, ou até mesmo, o uso da tecnologia para aplicações militares;
Propriedade intelectual, no sentido de que os regimes devem ser revistos ao tratarem da tecnologia quântica, para evitar ou corrigir barreiras excessivas em PI e uma concentração indesejada de poder de mercado;
Direito ambiental, eis que os impactos ambientais no uso de supercomputadores e inteligência artificial podem afetar o consumo mundial de energia. A conta de eletricidade do Frontier, o supercomputador mais poderoso do mundo, segundo o jornalista Román Orún, é de US$ 23 milhões por ano para 21,1 MW.
Mauritz Kop, professor da Faculdade de Direito de Stanford, é uma das grandes referências acadêmicas no tema de Tecnologia Quântica Responsável. Em 2021, publicou o artigo “Establishing a Legal-Ethical Framework for Quantum Technology”, trazendo a premente necessidade de mecanismos de controles e diretrizes para trazer equilíbrio ao impacto transformador da tecnologia quântica.
Kop também participou de uma contribuição bastante relevante em termos de avaliação de risco específico para esse tipo de tecnologia. Trata-se da Avaliação Exploratória de Tecnologia Quântica, uma ferramenta de avaliação de impacto de tecnologias quânticas elaborada por pesquisadores com formação em física quântica, ciência da computação e de dados, segurança cibernética, telecomunicações, infraestrutura, direito, filosofia, economia e gestão da inovação.
De acordo com as orientações contidas na avaliação, esta pode ser aplicada por meio de auditorias internas ou externas realizadas por equipes multidisciplinares. Essas equipes incluem especialistas em áreas como física quântica, inteligência artificial, programação de software, direito, privacidade e ética. A avaliação também traz regras de conduta para sistemas quânticos, incluindo a sua integridade e rastreabilidade, observância a questões legais como direitos de propriedade intelectual e à privacidade das pessoas, e clareza das responsabilidades na cadeia de desenvolvimento.
Além disso, a aplicação da avaliação pode e deve ser adaptada aos setores específicos da economia. A regulação e os padrões do setor desempenham um papel fundamental na definição de diretrizes aplicáveis à tecnologia quântica. Isso é particularmente relevante, por exemplo, para as indústrias farmacêutica, alimentícia, financeira, de saúde, química sustentável e transporte, em que as práticas, normativos de qualidade e regulamentações setoriais existentes devem ser consideradas.
É fato que a tecnologia quântica traz impactos que devem ser endereçados desde já. Questões como hacking quântico, inteligência artificial impulsionada por tecnologia quântica e simulações quânticas, deverão ser cuidadosamente consideradas para melhor compreensão das suas implicações legais e éticas, em busca de segurança jurídica concreta.
_______________________________________________________________________
Benioff, Paul. “The computer as a physical system: A microscopic quantum mechanical Hamiltonian model of computers as represented by Turing machines.” Journal of Statistical Physics. May 1980. https://www.researchgate.net/publication/226754042_The_computer_as_a_physical_system_A_microscopic_quantum_mechanical_Hamiltonian_model_of_computers_as_represented_by_Turing_machines; Chow, Jerry and Jay Gambetta. “The Quantum Experience: Feynman’svision comes into focus.” ITProPortal. May 9, 2016. https://www.itproportal.com/2016/05/09/the-quantum-experience-feynmans-vision-comes-into-focus/.
Bova, F., Goldfarb, A. & Melko, R.G. Commercial applications of quantum computing. EPJ Quantum Technol. 8, 2 (2021). https://doi.org/10.1140/epjqt/s40507-021-00091-1
D’Auria V and Teller M (2023). What are the priorities and the points to be addressed by a legal framework for quantum technologies? Research Directions: Quantum Technologies. 1, e9, 1–2. https://doi.org/ 10.1017/qut.2023.3
Gaurav A. (2023) Quantum Technologies: Legal Implications and Regulatory Landscape, Insights2Techinfo, pp.1
Kop, Mauritz and Aboy, Mateo and De Jong, Eline and Gasser, Urs and Minssen, Timo and Cohen, I. Glenn and Brongersma, Mark and Quintel, Teresa and Floridi, Luciano and Laflamme, Ray, 10 Principles for Responsible Quantum Innovation (April 12, 2023). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=4475556 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.4475556