TCU e os riscos da não utilização da nova Lei de Licitações

  • Categoria do post:JOTA

Embora esteja em vigor desde 1º de abril de 2021, e mesmo prevendo um prazo superior a 2 anos para adaptação, a nova Lei de Licitações (NLLC) ainda encontra resistência no que diz respeito à sua adoção e utilização pela Administração Pública, em todos os níveis da federação.

É essa a conclusão que se extrai do relatório de acompanhamento (027.907/2022-8) elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e que reúne dados colhidos junto ao Portal Nacional de Compras Públicas (PNCP) e ao portal Compras.gov, do Governo Federal, entre os meses de agosto de 2021 e julho de 2023.

Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!

As informações obtidas pelo TCU junto ao PNCP, por exemplo, indicam que a utilização da NLLC ocorreu em apenas 173.002 processos de contratação ao longo de 2 anos. Destes, a utilização da NLLC se deu, preponderantemente, nos casos de contratação direta (dispensa e inexigibilidade), isto é, em que não há, efetivamente, uma disputa pelo objeto licitado (81,8% dos casos). Nos casos em que há disputa, o pregão eletrônico – modalidade largamente utilizada sob o regime anterior e com a qual os órgãos da Administração Pública já se encontram relativamente familiarizados – foi adotado em 17,4% dos processos analisados.

A pesquisa não aponta a utilização da modalidade diálogo competitivo – inovação trazida pela NLLC, nem de novos procedimentos auxiliares aplicáveis a contratações rotineiras da Administração Pública, como a pré-qualificação e o procedimento de manifestação de interesse.

Os dados obtidos a partir do portal Compras.gov, embora não contemplem contratações diretas, também ilustram um cenário de baixa utilização da NLLC. A nova lei foi aplicada em apenas 3,1% dos casos (6.127 processos), sendo que pouco mais de 97% deles (5.966 processos) ocorreram no primeiro semestre deste ano – provavelmente, como resultado dos esforços de adaptação empreendidos pelos entes federados às vésperas do fim dos primeiros 2 anos de transição inicialmente contemplados pela NLLC.

Os resultados publicados pelo TCU, para além de simplesmente constatar que os órgãos da Administração Pública não se adaptaram plenamente às condições da NLLC, parecem sugerir que os 2 anos inicialmente conferidos para esse fim foram, de fato, insuficientes.

Realmente, entidades como a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e a Confederação Nacional de Municípios (CNM) já haviam alertado sobre as dificuldades com a adaptação às novas regras e, inclusive, apelado para uma extensão do período de transição – algo que foi obtido, inicialmente, com a MP nº 1.167/2023 e, após, com a Lei Complementar nº 198/2023.

Esse fato parece sugerir um defeito de produção legislativa, na medida em que o prazo de transição foi estabelecido sem uma consulta adequada a todos os órgãos e entes da federação que poderiam ser afetados pela medida – algo que uma análise de impacto regulatório poderia ter satisfatoriamente evitado.

Evidentemente, essa dificuldade dos órgãos da Administração Pública em se adaptarem plenamente às condições da NLLC representa um claro desafio ao aproveitamento das vantagens prometidas pelo novo sistema.

O incremento em transparência, eficiência e versatilidade no processo de contratação que se imagina obter a partir dos novos mecanismos trazidos pela NLLC pode ser comprometido, considerando o déficit de experimentação desses mecanismos durante o período de transição.

Além disso, a baixa familiaridade dos órgãos contratantes com as novas regras pode colocar em risco a própria validade dos processos de contratação. Esse cenário não só geraria um aumento nos custos de transação – seja dos licitantes, seja da própria Administração Pública -, como colocaria em risco o próprio suprimento de bens e serviços essenciais para a execução das políticas públicas a cargo do Estado.

O não aproveitamento do período de transição oferecido pela NLLC – realidade que o relatório do TCU constata de forma inequívoca – não só é capaz, assim, de inibir as vantagens que o novo modelo imagina oferecer, mas, pior que isso, pode ainda agravar os problemas que a Administração Pública já vivencia nas suas interações com os agentes privados.