Tarcísio, Campos Neto, Durigan e Mercadante entre farpas e aplausos

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A semana começa com um jantar a ser oferecido nesta segunda-feira (10/6) pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Desde o fim de semana os dois estão participando de agendas coincidentes.

Tarcísio, hoje o bolsonarista mais competitivo contra a reeleição Lula (PT), esteve no sábado (8/6) no painel de abertura do segundo e último dia do Fórum Esfera 2024, no Guarujá, para falar sobre “Visões Gerais do País”. Ao lado do número dois do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, e do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, Campos Neto participou do painel de encerramento, “O futuro da Economia do Brasil”.  Em todo o evento, a plateia de empresários mostrou, com aplausos ou silêncio, o lado preferido entre as duas principais mensagens apresentadas. E não foi o lado do governo Lula.

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Mais do que Tarcísio, quem deu o tom do dia e atraiu aplausos mais entusiasmados foi Rubens Ometto, da Cosan, que disse focar no “copo meio vazio”: a cobrança de impostos dos empresários para sustentar o Estado brasileiro. Ele criticou o mecanismo de aumento de gastos do arcabouço fiscal e deixou claro que a gota d’água para muitos ali foi a MP sobre PIS/Cofins para compensar as desonerações.

“O Poder Executivo está mordendo pelas bordas [aplausos]. Mudam as regulamentações para arrecadar mais. Sai a lei de um jeito, e eles soltam normas para te morder, para te autuar. Isso aconteceu com mudança da regra do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), com a regra do aproveitamento do ágio nas aquisições, com a mudança do crédito presumido do IPI, com a mudança no uso do crédito de PIS/Cofins, nesta semana, e com a desoneração da folha”, discursou.

Mais aplausos vieram para a conclusão. “Temos de bater nessa tecla: o dinheiro na mão da iniciativa privada rende muito mais para país do que na mão do governo.”

Pouco depois, Tarcísio mostrou como pode caminhar nesse sentido, mesmo no momento em que sua gestão planeja retirar bilhões em benefícios fiscais. A medida, na prática, aumentará impostos estaduais para alguns setores hoje contemplados. Mas o governador de SP apresentou primeiro seus planos de cortar despesas com custeio e pessoal, extinguir órgãos, “reduzir o tamanho do Estado”, fazer privatizações, concessões. Só ao fim citou a “revisão” criteriosa de gastos tributários.

Foi um contraste pouco sutil com o governo Lula, ainda que mantendo a ambiguidade entre o foco estadual e o nacional que deve marcar o período de sondagem de possibilidades até 2026. Por via das dúvidas, um período em que as medidas recém-anunciadas lhe darão até R$ 20 bilhões extras por ano para mostrar serviço.

As respostas do governo federal às críticas vieram indiretas do ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, que no mesmo painel criticou o “Estado ultraliberal” e defendeu o “Estado necessário”. Ao JOTA, o ministro disse logo depois que pode ter faltado diálogo prévio no caso específico do PIS/Cofins, mas que acredita que isso será resolvido nas próximas semanas.

A reposta mais contundente teve de esperar o último painel.

Antes, foram horas das mesmas críticas a uma gestão que estaria exagerando na cobrança de impostos e sendo leniente no corte de despesas. O “voto” da plateia era claro, em qualquer tema, das palmas ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), ao falar contra a política de segurança do governo Lula, à recepção fria aos ministros Renan Calheiros Filho, dos Transportes, e Silvio Costa, dos Direitos Humanos.

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Sem mais aplausos, pediu o apresentador depois de chamar ao palco os participantes da discussão final, entre eles o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, como ministro interino, e Campos Neto, presidente do BC. Já estava claro para quem seriam as palmas, se fossem permitidas em uma discussão sobre o futuro da economia.

Posto na defensiva, Durigan reembalou a polêmica do dia sobre busca do equilíbrio fiscal. Retratou o governo como a parte responsável, ante um Congresso que decidiu gastar bilhões fora do orçamento, em benefícios para 17 setores. Falou genericamente em cortar gastos, mas de concreto disse que os R$ 25 bilhões da desoneração só poderiam vir de medidas arrecadatórias. E neste ponto tentou desmontar a linha central de ataque, sobre impostos “no limite”. Disse que a carga tributária de 20% para 17% do PIB entre 2010 e 2022, e teve de ser “recomposta” para 18,5% ante o desequilíbrio do governo anterior. Manter o equilíbrio, disse o principal assessor de Haddad, seria uma “boa notícia” para o Banco Central.

Campos Neto evitou a ideia de choque com a Fazenda e tentou se apegar ao papel técnico do BC. Ressaltou que a instituição age a partir de dados e também das expectativas do mercado. Cobrado por juros menores por um executivo que fazia parte do painel, jogou a responsabilidade pelos juros para a estimativa de “convergência” da dívida pública s, mesmo os não ligados à Selic, como os dos títulos de longo prazo do governo. O que a plateia ouviu: cabe ao governo cortar gastos, diminuir a dívida e convencer os empresários para que o BC corte os juros de forma sustentável e não artificial.

Coube a Aloizio Mercadante fazer a defesa do rumo do governo. O economista, cuja indicação foi acompanhada de desconfiança do mesmo mercado ao qual se dirigia, citou dados positivos: o menor desemprego em uma década, a maior geração de empregos formais em 13  anos, “ritmo chinês” de 6,1,% de crescimento da renda em 12 meses, a maior massa salarial da história.

Esses dados foram endossados por André Esteves, do BTG Pactual, que, embora tenha falado no limite alcançado para impostos, projetou um crescimento do PIB acima de 2,5%, enquanto a média do mercado está mais perto de 2%. Foi um quadro quase ignorado na discussão fiscal até ali, desde a invectiva de Ometto, que, enfim, recebeu de Mercadante o contraponto.

“Às vezes eu ia em algum lugar e falavam: ‘Ah, desce do palanque’. Eu estou vendo agora que tem empresário que precisa descer do palanque. Vamos botar a bola no chão e virar essa partida, disse.

Veio de Mercadante também a resposta mais ampla às cobranças por cortes de gastos. Ele defendeu uma análise seletiva, lembrando das cobranças no mesmo fórum por mais investimento em segurança. E deu um cutucão no colega mais benquisto.

“Mesmo o Banco Central [fala] ‘tem que cortar gasto, tem que cortar gasto’. Quando bate dentro: ‘Não! Vamos criar uma autonomia para garantir o orçamento e o financeiro, porque eu não aguento cinco anos de arrocho‘. É impossível uma instituição de qualidade como é o BC funcionar sem recurso.”

Em um momento fora de qualquer roteiro, o presidente do BNDES fez uma homenagem à decana dos desenvolvimentistas, a economista Maria da Conceição Tavares, que havia morrido naquela madrugada, aos 94 anos. E foi para ela, cujas ideias são anátema para a consciência liberal que animou o Fórum, que veio a última grande salva de palmas.

Lembrada em sua atuação pública pela defesa do Plano Cruzado e críticas ao Plano Real e Bolsa Família e vista por economista liberais como símbolo de um desenvolvimentismo ultrapassado, Maria da Conceição foi saudada por Mercadante naquele ambiente pelo “amor ao Brasil, a integridade e coragem intelectual”.

A professora da Unicamp estava longe do debate público há alguns anos, mas recortes de aulas e entrevistas viralizaram nas redes sociais recentemente e a haviam transformado em uma celebridade digital. Em um dos vídeos mais compartilhados, ela adverte os alunos:

“Só faz de conta que a política não interessa quem manda, meu bem. E Deus sabe que a política lhe interessa muito. O problema é que ele disfarça o seu interesse político. Ele faz em câmaras secretas. Ele faz, aí, sim, em chás, em almoços. […], mas não se trata de ser ostentatório: podemos resolver no jantar das sextas-feiras”.

No almoço dos empresários sábado, no Guarujá, após os painéis, as ideias dela tiveram pouco eco, mas o interesse político estava sobre a mesa. As ideias desenvolvimentistas também não devem ser relevantes no jantar desta segunda-feira, no Palácio dos Bandeirantes, onde será difícil disfarçar os interesses políticos de anfitrião e homenageado.

*O repórter viajou a convite do Esfera Brasil