No último dia 25, uma decisão proferida pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), colocou em xeque pontos específicos da Lei 14.784/23. Tal legislação, promulgada anteriormente pelo Congresso Nacional, estendia a desoneração da folha de pagamento para municípios e vários setores da economia até o ano de 2027. Contudo, segundo o magistrado, a lei falhou em cumprir com os preceitos constitucionais relativos à necessária demonstração do impacto orçamentário e financeiro.
A controvérsia em torno dessa legislação não é recente. Originou-se em novembro de 2023, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou completamente um projeto de lei que visava a prorrogação da desoneração para dezessete setores econômicos e também a redução da contribuição previdenciária para pequenos municípios. O veto presidencial foi publicado de forma extraordinária no Diário Oficial da União em 23 de novembro.
Desafiando o veto presidencial, o Congresso Nacional reverteu a decisão em 27 de dezembro, promulgando a Lei 14.784/23, o que estendia a desoneração até 2027. Em resposta, o governo Federal, em 29 de dezembro, editou a Medida Provisória 1.202, que reintroduzia a oneração da folha de pagamentos, revisava o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e limitava compensações de créditos tributários pelas empresas.
Em janeiro do ano corrente, uma ação foi movida no STF pelo Partido Novo, argumentando que a medida provisória carecia do requisito de urgência e infringia o princípio da separação dos Poderes, ao contrariar uma lei aprovada pelo legislativo.
No final de fevereiro, um acordo entre o presidente Lula e lideranças do Congresso Nacional resultou na assinatura presidencial que eliminava a reoneração gradual para os dezessete setores afetados pela MP 1.202. Entretanto, a polêmica alcançou novas alturas em 24 de abril, quando o presidente acionou o STF contra a Lei 14.784/23 através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 7.633.
Nesta ação, a Advocacia Geral da União (AGU), representando o chefe do Executivo, sustentou que as renúncias fiscais autorizadas pela lei não foram acompanhadas da adequada estimativa de impacto financeiro, apontando uma perda estimada em cerca de R$ 10 bilhões anuais para a arrecadação.
A decisão do ministro Zanin, que acatou o pedido do governo, ressaltou que a legislação não atendia ao requisito constitucional de avaliação de impacto orçamentário e financeiro para a criação de despesas obrigatórias. Essa inobservância, segundo o ministro, justifica a intervenção do STF para assegurar que as leis se conformem aos preceitos da Constituição Federal.
Com esta medida cautelar, o ministro Zanin visou proteger a integridade das contas públicas e a sustentabilidade fiscal, agendando a submissão de sua decisão ao Plenário Virtual do STF para deliberação final.
Entendo que isso, suscita significativas preocupações quanto à intervenção precoce do Poder Judiciário em matérias eminentemente legislativas e econômicas. De acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, a Corte tem reiteradamente enfatizado o princípio da autocontenção, segundo o qual deve-se evitar decisões precipitadas que interfiram na autonomia dos outros Poderes, especialmente em questões de natureza econômica ou fiscal. O STF, no julgamento da ADI 4425, por exemplo, destacou a necessidade de preservar a separação dos poderes e a margem de discricionariedade do legislador para definir políticas públicas, salvo em casos de evidente abuso ou desvio de poder.
Ademais, a jurisprudência do Tribunal tem se inclinado a respeitar as avaliações de impacto econômico realizadas pelo Legislativo, especialmente quando acompanhadas de debates amplificados e participação social, como é o caso das medidas de desoneração fiscal. Decisões que suspendem leis com base em supostas inadequações de estudos de impacto podem criar um perigoso precedente de judicialização excessiva de políticas econômicas, contrariando o entendimento previsto no Recurso Extraordinário 627.106, onde se ressaltou que o Judiciário não deve substituir o Legislativo na condução de políticas fiscais e econômicas sem uma justificativa robusta, baseada em clara violação de preceitos constitucionais.
Assim, a decisão de suspender a Lei 14.784/23 poderia ser vista como uma incursão indevida do Judiciário em domínios que tradicionalmente pertencem ao Legislativo, comprometendo a estabilidade das relações econômicas e a previsibilidade jurídica necessárias ao desenvolvimento nacional.