O novo (e possivelmente último) capítulo da controvérsia das subvenções para investimentos poderá ser escrito nesta quinta-feira (18). A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai realizar o julgamento dos Embargos de Declaração do Tema 1.182, sobre os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção e diferimento, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
O julgamento é aguardado há um ano, quando da votação de mérito do STJ. Desde então, o governo federal declara vitória sobre esse tema e chegou a divulgar publicamente que a decisão deveria gerar uma arrecadação de R$ 88 bilhões à União. Aliada a essa narrativa, a Receita Federal passou a enviar comunicados e realizar fiscalizações a mais de 5.000 empresas, com um desconcertante tom de cobrança: a não adesão aos programas de autorregularização resultaria em multas e penalidades mais graves aos que excluíram os valores das subvenções em desacordo com a decisão do STJ e do disposto no art. 30 da Lei 12.973/2014.
Essa aparente vitória do governo federal gerou uma onda de dúvidas entre advogados e contribuintes, que, na verdade, interpretavam essas teses fixadas como uma decisão favorável não ao governo, mas às empresas.
O cerne da questão gira em torno das alterações trazidas pela Lei Complementar 160/2017, que alterou o art. 30 da Lei 12.973/2014 para trazer a equiparação de quaisquer incentivos fiscais de ICMS ao conceito subvenções para investimento, permitindo a sua exclusão da base do lucro real, sem que a empresa precisasse demonstrar que os incentivos tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
A Receita Federal, entretanto, editou uma solução em 2020, expressando o seu entendimento de que as subvenções de investimento só poderiam deixar de ser computadas no lucro real, desde que houvessem sido concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Pela leitura das três teses fixadas pelo STJ, entretanto, é possível extrair algumas conclusões que contrapõem esse cenário desenhado pelo governo, mas que também deixam algumas dúvidas – que, espera-se, sejam esclarecidas no julgamento do Embargos.
Na 1ª tese fixada, o STJ determinou que deve ser respeitado o art. 30 da Lei 12.973/2014 e formada a reserva de incentivos fiscais, ou seja, não se aplicando a tese do pacto federativo aos benefícios de ICMS. Neste sentido, restou mantida a obrigação de constituir a reserva de incentivos fiscais, que é o principal ponto de divergência entre o conceito de subvenções para investimento da Lei 12.973/2014 e a tese do pacto federativo.
Na 2ª tese restou reconhecido o direito do contribuinte de que “para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”. O texto afasta de forma clara a necessidade de qualquer contrapartida aos estados ou vínculo direto com um projeto de implantação ou expansão de empreendimentos, que vinham sendo defendidos pela Receita.
Já a 3ª tese determina que a empresa precisa comprovar que as subvenções não foram usadas com “finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”. Esta é a única tese que carece de esclarecimento do julgamento dos embargos, visto que o termo “viabilidade” não consta na legislação e fica aberto à interpretação.
Apesar de a primeira tese ser favorável à União, a segunda é vitoriosa ao contribuinte no ponto central da disputa – o reconhecimento das outras formas de incentivos fiscais de ICMS como subvenções para investimentos e passíveis de exclusão do Lucro Real.
Agora, o que se espera dos Embargos de Declaração é o esclarecimento do conceito e da extensão do termo “viabilidade do empreendimento”. A meu ver, bastaria a empresa comprovar que houve investimentos e incremento do seu Ativo Imobilizado no período em que registrou as subvenções, sem qualquer vínculo específico ao incentivo do estado.
De forma ainda mais abrangente, caberia à Receita Federal comprovar algum desvio de valor patrimonial da empresa disfarçado de doação ou outros artifícios simulados que pudessem ser vistos como “dividendos disfarçados”. Para isso, essa ressalva sequer precisaria de julgamento, pois já seria uma ilegalidade do próprio cumprimento das condições do art. 30 vigentes à época.
Seguindo esta interpretação, que acredito ser confirmada após os Embargos de Declaração, tem-se três principais tópicos decididos:
Com exceção do crédito presumido de ICMS, deve ser constituída a reserva de incentivos fiscais para as demais subvenções de ICMS;
Todos os incentivos fiscais de ICMS devem ser considerados como subvenção para investimento e não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos;
Após reconhecida a reserva de incentivos fiscais e excluído o valor das bases de cálculo do IRPJ e CSLL, o contribuinte deve comprovar a manutenção destes recursos no patrimônio da empresa, cabendo à Receita Federal o poder de fiscalizar e autuar nos casos em que configure distribuição disfarçada de dividendos.
Caso o julgamento dos Embargos de Declaração não sofra nenhuma reviravolta ou interferência política, estimo que teremos como resultado a materialização do impacto na arrecadação federal em montante significativo e uma grande vitória para os contribuintes que ingressaram com ações ou realizaram as exclusões na via administrativa.
Destaco ainda a oportunidade de adesão ao programa de autorregularização regulamentado pela IN RFB 2.184/2024, para as empresas que aplicaram a tese do pacto federativo aos benefícios de redução de base, redução de alíquota e isenção, podendo garantir desconto de até 80% sobre os débitos consolidados e evitar um contencioso judicial, já que estaria em desacordo com a primeira tese fixada pelo STJ.