STJ valida cláusulas compromissórias com Administração Pública pré-Lei 13.129/15

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A recente decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) lançou luz sobre a questão da transmissibilidade de cláusulas compromissórias em contratos administrativos pactuados antes da Lei 13.129/2015, que alterou a Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem). Esse entendimento se deu em um caso envolvendo a Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa) e o Consórcio Brasileiro Europeu (CBE), cuja origem remonta à crise do petróleo na década de 1970.

Naquela época, enfrentando um cenário de alta nos preços do petróleo, o governo brasileiro buscava alternativas ao uso de combustíveis fósseis. Em 25 de maio de 1976, Brasil e França firmaram um Protocolo de Intenções visando à eletrificação das linhas férreas da Fepasa, então dependentes de locomotivas a diesel. Pouco depois, em 23 de dezembro, a Fepasa assinou um contrato com o consórcio que mais tarde se tornaria o Consórcio Brasileiro Europeu (CBE), composto por empresas brasileiras e europeias, para implementar o plano de eletrificação da Fepasa.

Com a incorporação da Fepasa pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA) em 1998 e, posteriormente, pela União em 2007, surgiram disputas sobre o contrato. A União, sucedendo a RFFSA, requereu uma indenização de mais de US$ 72 milhões, alegando descumprimento contratual pelas empresas do CBE. Em resposta, as empresas demandas invocaram a cláusula compromissória do contrato original, que previa a resolução de litígios por arbitragem, conforme o regulamento da Câmara de Comércio Internacional (CCI).

Entretanto, o Juízo da 22ª Vara Cível Federal de São Paulo, não obstante o disposto no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil (CPC), entendeu que, à época da sucessão da RFFSA pela União, a Administração Pública não estava autorizada a se submeter à arbitragem, uma possibilidade que, a seu ver, teria sido introduzida no ordenamento jurídico brasileiro apenas com advento da Lei 13.129/2015.

As empresas então recorreram ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que manteve a decisão de 1ª instância. Na ocasião, o tribunal ratificou o entendimento de que a União não poderia integrar procedimentos arbitrais antes das mudanças trazidas pela Lei 13.129/2015, o que tornaria a cláusula compromissória inválida e ineficaz.

A discussão, por fim, bateu às portas da 1ª Turma do STJ, sob relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingos. Em acórdão proferido em junho, a 1ª Turma discordou das interpretações das instâncias inferiores, afirmando que a arbitragem envolvendo a Administração Pública não era vedada antes da Lei 13.129/2015, e, nesse sentido, deu integral provimento ao recurso especial interposto, determinando a extinção da ação sem resolução de mérito, com base no artigo 485, VII, do CPC.

O STJ destacou que, conforme dispõe a Súmula 485 da própria corte, a Lei de Arbitragem se aplica a contratos com cláusula compromissória, mesmo que celebrados antes de sua edição. Além disso, a Corte Superior também se baseou no Caso Lage, no âmbito do qual o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade e a validade/eficácia de cláusula compromissória estipulada em contrato público anterior à Lei de Arbitragem.

A decisão da 1ª Turma do STJ, portanto, ao reconhecer a validade e eficácia de cláusulas compromissórias em contratos firmados com a Administração Pública, ainda que anteriores às alterações da Lei 13.129/2015, bem como sua transmissibilidade em casos de sucessão das partes contratantes por um ente público, estabelece importante precedente no contexto da arbitragem em contratos administrativos.

Tal “veredito” reforça ainda mais a segurança jurídica da arbitragem enquanto instituto, ao consolidar o entendimento de que as cláusulas compromissórias devem ser respeitadas mesmo após a sucessão administrativa, sobretudo, sob um olhar de preservação das legítimas expectativas dos contratantes particulares e da boa-fé objetiva.

Desse modo, o posicionamento do STJ não apenas fortalece a confiabilidade do instituto da arbitragem, mas, sobretudo, também promove uma maior eficiência e previsibilidade em seu uso para a resolução de disputas envolvendo entes públicos, contribuindo para a estabilidade e a integridade das relações contratuais no setor público de modo geral.