A modulação de efeitos é um mecanismo jurídico que permite, a partir de certos critérios, definir a partir de quando uma decisão judicial passará a produzir efeitos. Esse instrumento visa garantir a segurança jurídica e evitar situações de insegurança decorrentes de mudanças abruptas na interpretação das normas legais. No entanto, há severas críticas acerca da falta de critérios objetivos para a aplicação dessa modulação pelo STJ, o que pode levar a decisões inconsistentes e imprevisíveis.
Não é de hoje que o STJ tem se notabilizado pelas abruptas mudanças de entendimento jurisprudencial, tanto é assim que já foi taxado há décadas pelo então ministro Humberto Gomes de Barros como um banana boat, uma verdadeira boia à deriva (Ag no Recurso Especial 382.736-SC) e não como um farol.
Inclusive, nos últimos tempos, o Superior Tribunal de Justiça resolveu mimetizar a postura do Supremo Tribunal Federal e passou a lançar mão de modulações de efeito tão frequentes quanto erráticas e aleatórias, com critérios que de tão casuísticos chegam a fazer corar o mais vanguardista dos juristas.
Nesse sentido, recentemente foi publicado pela 1ª Seção do STJ o acórdão proferido em sede de Embargos de Divergência em Recurso Especial 1959571/RS, cuja relatoria competiu ao ministro Mauro Campbell Marques.
Trata-se de precedente relevantíssimo, a um por se tratar de recurso afetado como repetitivo juntamente com o REsp. 2.072.621/SC e o REsp. 2.075.758/ES (artigo 1.036, §5º, do CPC/2015) e a dois por uniformizar o entendimento então divergente entre a 1ª e a 2ª Turmas daquele tribunal acerca do Tema 1231, qual seja, “decidir sobre a possibilidade de creditamento, no âmbito do regime não-cumulativo das contribuições ao PIS e Cofins, dos valores que o contribuinte, na condição de substituído tributário, paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS-substituição (ICMS-ST)”.
Ao final do julgamento, foram aprovadas por unanimidade as seguintes teses, que deverão ser observadas por todos os demais Órgãos Colegiados e Tribunais, por força da vinculação obrigatória prevista nos artigos 1039 e 1040 do CPC/15:
Os tributos recolhidos em substituição tributária não integram o conceito de custo de aquisição previsto no art. 13, do Decreto-Lei 1.598/77; e
Os valores pagos pelo contribuinte substituto a título de ICMS-ST não geram, no regime não cumulativo, créditos para fins de incidência das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins devidas pelo contribuinte substituído.
À parte dos debates sobre o acerto ou não dessa decisão, é de se elogiar o fato de que o acórdão recém-publicado guarda total coerência com aquilo que foi decidido alguns meses antes pelo mesmo tribunal, ocasião em que julgou, também em sede de repetitivo (Tema 1125), o Recurso Especial 1.896.678-RS (relator o ministro Gurgel de Faria).
A tese firmada no ensejo, para os fins do artigo 1.036 do CPC/2015, foi a que segue: “O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins, devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva”.
Afinal, se o ICMS-ST representa reles antecipação de despesa do substituído cujo recolhimento incumbe ao substituto tributário (na qualidade de mero depositário de tributo alheio) por uma questão de praticidade arrecadatória, seu reembolso no preço pago pelo substituído ao substituto tributário representaria ingresso contábil transitório, que não se subsume no conceito de receita para fins de incidência de PIS e Cofins, tanto na apuração de um quanto de outro. É o que estabelece o art. 279 do RIR/99; o art. 218, §2º, do RIR/2018; o art. 12, §4º, do Decreto-Lei 1.598/77 (com a redação dada pela Lei 12.973/2014) e o art.3º, §2º, da Lei 9.718/98.
Outrossim, sem que sobre a parcela do ICMS-ST tenha havido incidência do PIS e da Cofins, aos olhos dos ministros da 1ª Seção também seria defeso o creditamento de PIS e Cofins pelo contribuinte substituído salvo hipótese de crédito presumido ou fictício, o que reclamaria a edição de lei específica. E é justamente aí que reside o ponto de convergência entre o quanto decidido nos Temas 1.125 e 1.231.
Nesse mesmo Recurso Especial 1.896.678-RS, recém-julgado, o colegiado da 1ª Seção escolheu como marco inicial o dia 15 de março de 2017, “emprestando” do STF a data em foi julgada a chamada “tese do século” (Tema 69 da repercussão geral), decidindo-se pela não inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Outro exemplo se extrai do julgamento do Tema 986, que “estabeleceu, por unanimidade, que devem ser incluídas na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de energia elétrica a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), nas situações em que são lançadas na fatura de energia como um encargo a ser pago diretamente pelo consumidor final – seja ele livre (aquele que pode escolher seu próprio fornecedor de energia) ou cativo (os contribuintes que não possuem tal escolha)”, a mesma 1ª Seção do STJ usou como critério para modulação de efeitos a data da decisão que fixou esse entendimento pela primeira vez. Isso ocorreu quando a 1ª Turma do STJ julgou o REsp 1.163.020, ou seja, aos 27 de março de 2017.
A data em que o colegiado começou a decidir a tese também foi um critério utilizado pelo STJ em modulações, nesse caso quando julgou que o limite de 20 salários-mínimos para o cálculo das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S deixou de existir com a edição do Decreto-Lei 2.318/1986. Trocando em miúdos, a tese decidida pelo STJ não alcança as empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedido administrativo até 25 de outubro de 2023, desde que tenham obtido decisão judicial ou administrativa favorável.
Para tais empresas, é facultada a manutenção do recolhimento das contribuições para o Sistema S com base de cálculo limitada aos 20 salários-mínimos, mas tão somente até a data da publicação do acórdão, qual seja, 2 de maio de 2024.
Essa volatilidade de entendimentos e de marcos temporais só faz agravar o cenário de extrema insegurança jurídica de que tanto reclamam os empresários, e em nada contribui com a formação de um ambiente de negócios salutar e atrativo para os investimentos nacionais e estrangeiros.
Verifica-se, pois, que a necessidade de critérios objetivos para a modulação de efeitos no STJ é uma questão complexa que demanda uma abordagem cuidadosa para assegurar que esse importante instrumento seja utilizado de forma a promover a justiça e a segurança jurídica. Como repetidamente já posto em outras ocasiões, muitas vezes, a modulação dos efeitos é influenciada por argumentos finalistas ou consequencialistas, em detrimento de critérios puramente jurídicos, o que torna o instituto refém de oportunismos e das conveniências de momento.