STF valida chamamento público para abertura de cursos de medicina

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O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a constitucionalidade do artigo 3º da Lei 12.871/2013, que estabeleceu que a abertura de novos cursos de medicina no país, assim como a autorização de novas vagas em cursos já existentes, precisa de chamamento público prévio.

Desse modo, fica determinada a inviabilidade de abertura de novos cursos de medicina sem chamamento público prévio enquanto a norma for vigente. Cursos que já tenham sido instalados, com base em decisões judiciais, sem cumprir essas condições, serão mantidos; assim como os processos administrativos de autorização pendentes que já tenham ultrapassado a fase de análise documental.

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Os ministros fizeram a ressalva de que a sociedade civil pode pleitear a instalação de novos cursos em determinadas regiões, cabendo a administração pública responder aos pedidos de forma fundamentada, pública e em prazo razoável.

O tema foi julgado simultaneamente na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 81 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.187 e teve um placar de 8 a 3 no plenário virtual do Supremo. O ministro Alexandre de Moraes, que havia pedido vista em fevereiro, devolveu os autos para julgamento e apresentou seu voto acompanhando o ministro relator Gilmar Mendes.

Entenda o processo

Como as duas ações ajuizadas dizem respeito ao mesmo artigo da Lei 12.871, elas foram analisadas em conjunto. No caso da ADC 81, a Associação Nacional de Universidades Particulares (Anup) pede que o Supremo declare a constitucionalidade da lei e, em caráter liminar, suspendesse todos os processos judiciais e administrativos sobre o tema que tenham sido iniciados após a edição norma.

Já na ADI 7.187, ajuizada pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, o grupo pediu que fosse declarada a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 12.871 sob o argumento de que contraria “as garantias constitucionais da legalidade estrita, da isonomia, do direito de petição, da autonomia universitária, da livre iniciativa e da livre concorrência.”

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Tanto a Advogacia-Geral da União (AGU) quanto a Procuradoria-Geral da República (PGR) defenderam a constitucionalidade da norma. Em manifestação, a AGU afirmou que o instituto visa assegurar a distribuição igualitária de médicos pelo país e tende a assegurar os direitos à saúde, à vida, à educação e ao desenvolvimento regional. A PGR, por sua vez, destacou que as medidas estabelecidas na legislação são “lícita expressão das prerrogativas do Ministério da educação” de regular, supervisionar e avaliar o ensino.

Em seu voto, o relator propôs a conversão do referendo da medida cautelar em julgamento de mérito.

Posição do relator

O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, afirma que os critérios instituídos pela Lei 12.871 para a abertura de novos cursos ou novas vagas na graduação de medicina são constitucionais. Acompanharam o voto do relator os ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Nunes Marques e Cármen Lúcia.

Para embasar sua posição, o ministro Gilmar Mendes relembrou que a política pública em questão foi criada para tentar solucionar o problema da falta de médicos e de sua distribuição desigual no território nacional.

“O legislador optou pela centralização do papel indutor do Estado como mecanismo de equalização da oferta de médicos, de modo que a própria criação de estrutura educacional na localidade incrementaria as ações e serviços na região, além da possibilidade de fixação de graduandos e residentes no Município após a conclusão do curso”, escreveu o ministro, acrescentando que o chamamento público mostra-se adequado para o objetivo.

Quanto ao argumento de que a norma fere o princípio da livre iniciativa, Gilmar Mendes afirmou que há décadas o mercado de cursos de medicina funciona sob a égide da autorregulação, com o Poder Público regulamentando somente a qualidade do ensino, mas não sua distribuição geográfica.

“Foi exatamente esse contexto que levou ao pano de fundo destes processos objetivos: má distribuição de médicos, com bolsões de carência de ações e serviços de saúde, além de deficiências estruturais sobretudo para as fases formativas de internato e de residência”, afirma o relator.

Para ele, a política do chamamento público tenta conciliar o objetivo de reduzir a desigualdade de distribuição de médicos sem aniquilar a livre iniciativa. “Os agentes privados podem atuar no mercado, mas a instalação dos cursos está condicionada à necessidade social dos Municípios”, diz.

Enquanto a política for vigente, o ministro entende que é inviável a abertura de cursos de medicina com base na Lei 10.861/2004, sem o prévio chamamento público e a observância dos critérios previstos na Lei 12.871/2013. Caso contrário, poucas instituições privadas optariam pelo modelo regulado, que impõe uma série de deveres e contrapartidas financeiras.

Divergência

No julgamento, ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, André Mendonça e a ministra aposentada Rosa Weber.

Fachin, acompanhado por Weber, concorda com a posição do relator de que o artigo 3º da Lei 12.871 é constitucional. Ele diverge, no entanto, no que se refere à continuidade dos processos administrativos pendentes que tenham sido instaurados por força de decisão judicial e que tenham ultrapassado a fase inicial de análise documental.

Para Fachin, a não suspensão de todos os processos administrativos e judiciais poderia impactar os efeitos da política pública, já que há cerca de 220 processos judiciais para autorização de novos cursos. Se forem aprovados, as instituições privadas podem não ter interesse em participar dos chamamentos públicos.

Já o ministro André Mendonça, divergindo do relator, votou para que o Supremo determinasse a formação de um novo grupo de trabalho para promover a análise do impacto regulatório da política pública em questão. “Essa medida permitirá que o órgão da Administração Pública responsável por regular a matéria tenha um “segundo olhar” sobre as deliberações e atos normativo-administrativos atualmente vigentes”, argumentou Mendonça.

Referendo da medida cautelar

Simultaneamente, o Plenário Virtual do STF também julgou o referendo de uma decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes neste caso. O placar ficou em 9 a 2 para a manutenção da liminar do relator. Os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Barroso, Flávio Dino, Nunes Marques, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux acompanharam o voto de Gilmar Mendes. Os ministros Edson Fachin e André Mendonça divergiram.

Em agosto do ano passado, na análise da ADC 81, Mendes deferiu uma medida cautelar para determinar que não se pode abrir novos cursos de medicina sem o prévio chamamento público.

Após essa decisão, diversas entidades notificaram o Supremo sobre supostos descumprimentos da medida. Em particular, a Portaria 397 do MEC, expedida pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), que permitia a rejeição de todos os processos administrativos em  municípios diferentes dos pré-selecionados no Edital de Chamamento Público 1/2023.

Intimada, a AGU defendeu que a norma administrativa em nada ofende à deliberação cautelar e apenas “propicia os meios administrativos necessários ao seu cumprimento”. Ela também informou que a portaria em questão foi alterada pela portaria 421/2023, que retirou o trecho que permitia o indeferimento automático dos pedidos administrativos.

Em dezembro de 2023, a Associação de Ensino de Ribeirão Preto (AERP/Unaerp) foi ao STF informar que a medida cautelar teria sido descumprida também por decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos autos do REsp 2.043.918/SP.

Diante dessas petições, o ministro Gilmar Mendes proferiu nova decisão monocrática em 22 de dezembro de 2023 – decisão esta que está em julgamento para referendo do plenário virtual agora.

Os ministros acompanharam a posição do relator, que afirmou que a redação original da Portaria SERES/MEC 397/2023 realmente afrontava o que foi determinado pela medida cautelar, mas que, com a redação alterada pela portaria 421, o texto se adequou.

Então, ficou assegurado o direito das instituições de ensino que ultrapassaram a fase de análise documental a oportunidade de comprovar a existência de interesse social em seus pedidos, ainda que sejam em cidades não contempladas por editais de chamamento público.

No caso da AERP/Unaerp, o plenário também acompanhou a posição de Gilmar Mendes de que a instituição tem o direito de continuar com suas atividades acadêmicas no curso de medicina conforme previsto na Portaria de Autorização de Curso SERES/MEC 48/2019.

“É caso de imediata suspensão dos efeitos da decisão monocrática proferida nos autos do REsp. 2.043.918/SP e do respectivo curso processual até posterior decisão deste Tribunal, garantindo à peticionante, nesse ínterim, o direito de permanecer desenvolvendo suas atividades acadêmicas”, escreveu o relator.