O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei Municipal 1.310/2021, de São Gonçalo (RJ), que estabelece o aprendizado de acordo com a norma culta da língua portuguesa, vedando a utilização da ‘linguagem neutra’ e do dialeto ‘não binário’ nas instituições de ensino do município. O caso foi analisado em Plenário Virtual na ADPF 1164 até às 23h59 desta quinta-feira (24/4).
A lei municipal foi contestada pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH). De acordo com as entidades, a norma afronta diversos dispositivos constitucionais e viola a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Defendem ainda que, além de violar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e da isonomia, a lei municipal afronta a liberdade de expressão e a liberdade de ensino dos professores, bem como a liberdade de aprendizado dos alunos.
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A maioria dos ministros acompanhou o entendimento do relator, ministro André Mendonça. Segundo ele, nos termos da Constituição, compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, além da edição de normas gerais sobre educação e ensino. Por isso, sugeriu que também seja fixada a seguinte tese de julgamento no caso em análise: “É formalmente inconstitucional norma estadual ou municipal que disponha sobre a língua portuguesa, por violação à competência legislativa da União”.
Conforme observou Mendonça, a discussão sobre legislações estaduais e municipais que regulamentam a proibição ou a imposição da linguagem neutra em escolas não é novidade no STF, que tem se manifestado sobre a inconstitucionalidade de atos normativos municipais e estaduais que caminham nesse sentido.
Assim, ressaltou que, interpretando a sistemática estabelecida pela Constituição, o Supremo fixou o entendimento de que “os municípios não dispõem de competência legislativa para a edição de normas que tratem de currículos, conteúdos programáticos, metodologias de ensino ou modos de exercício da atividade docente”.
Desse modo, destacou que estados e municípios devem observar, necessariamente, as normas gerais editadas pela União – em especial a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996) e as disposições da Base Nacional Comum Curricular.
“Portanto, ao estabelecer regras gerais em relação ao uso e ao aprendizado da língua portuguesa em estabelecimentos de ensino localizados no município de São Gonçalo e ao prever sanções em caso de descumprimento dessas diretrizes, a Lei municipal 1.310/2021 contém, nestas partes, inegável vício de inconstitucionalidade formal, pois regula, ao mesmo tempo: (i) matéria de interesse nacional e (ii) tema cuja edição de normas gerais é de competência legislativa privativa da União”, concluiu Mendonça.
O entendimento do relator foi integralmente acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
Divergência parcial aberta por Zanin
Ao abrir divergência ao voto do relator André Mendonça, o ministro Cristiano Zanin entendeu que não há inconstitucionalidade do artigo 1° da lei municipal. Segundo ele, tal dispositivo apenas reproduz e regulamenta no âmbito local as diretrizes gerais fixadas pela União, estando “adstrito aos limites da competência suplementar do município”.
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Além disso, de acordo com Zanin, conforme consta no dispositivo da Lei 1.310/2021, o aprendizado da norma culta da língua portuguesa, em respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e ao Tratado Internacional Vinculativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 16 de dezembro de 1990, não contraria as diretrizes estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Entretanto, quanto aos artigos 2°, 3° e 4° da norma questionada, Zanin acompanhou o relator e entendeu que houve invasão pelo município da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação. O ministro Nunes Marques acompanhou a divergência parcial aberta por Zanin.