Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria para derrubar a liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso que permitia que profissionais de enfermagem auxiliassem no aborto legal em unidades de saúde. A decisão foi dada na sexta-feira (17/10), último dia antes da aposentadoria do ministro, e colocada para referendo do colegiado em plenário virtual até o dia 24 de outubro.
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Atualmente, o aborto é autorizado no Brasil em três situações: se houver risco de morte para a mulher por causa da gestação; se a gravidez foi provocada por estupro; ou se o feto for anencéfalo.
Prevaleceu o entendimento do ministro Gilmar Mendes. Para o magistrado, o tema precisa de mais discussão e ele não vê a necessidade de uma liminar neste momento processual. Em sua avaliação, não há “periculum in mora”, ou seja, a decisão não precisa ser tomada de forma imediata porque não representa risco de um dano grave ou de difícil reparação, visto que existe essa discussão em outro processo e que não teve nenhum fato novo que justificasse uma medida cautelar.
O ministro Edson Fachin, presidente da Corte, também argumentou que a matéria recomenda debate em sessão presencial e não por um sistema eletrônico de votação. Fachin destacou a importância das sustentações orais e da publicidade e transparência na discussão dessa matéria.
O placar está 8 a 1 para cassar a liminar de Barroso. Além do ministro Edson Fachin, acompanharam a divergência do ministro Gilmar Mendes os ministros Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Dias Toffoli. Ainda faltam os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Luiz Fux.
A decisão foi tomada em ação movida pelo PSol e pela Associação Brasileira de Enfermagem (Aben), que pediram ao Supremo que outros profissionais da saúde, além de médicos, possam realizar procedimentos de aborto em casos previstos na lei.
Liminar de Barroso
Na sexta-feira (17/10), Barroso concedeu a liminar, fundamentada no entendimento que profissionais de enfermagem não podem ser criminalizados pelo auxílio ao aborto legal, uma vez que há déficit assistencial às mulheres autorizadas a fazer o aborto legal. Ponderou também que a atuação deve ser compatível com o nível de formação do profissional, notadamente nos casos de aborto medicamentoso na fase inicial da gestação.
Barroso suspendeu procedimentos administrativos e penais, assim como processos e decisões judiciais que tenham adotado interpretação do art. 128 do Código Penal incompatível com a decisão dele – por esse dispositivo, apenas médicos não podem ser responsabilizados criminalmente por realizarem o aborto legal.
Além disso, o ministro determinou que órgãos públicos de saúde se abstenham de criar óbices não previstos em lei para a realização do aborto lícito.
Como o Código Penal é de 1940, Barroso afirmou que o legislador não teria como prever que a tecnologia evoluiria a ponto de a interrupção da gravidez poder ser realizada de maneira segura por profissionais que não são médicos. Mas, para ele, não se pode permitir que “o anacronismo da legislação penal impeça o resguardo de direitos fundamentais consagrados pela Constituição”.
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O ministro também considerou que há uma grave omissão estrutural do Estado brasileiro na garantia do aborto lícito no Brasil, em especial a meninas, mulheres e homens transsexuais vítimas de estupro.
“Diante da existência de omissões estruturais que impõem obstáculos injustificados à efetividade desse direito, cabe ao Supremo Tribunal Federal determinar ao Poder Público a adoção das medidas corretivas necessárias. A estruturação de política pública adequada cabe ao Poder Executivo, notadamente por meio do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A título emergencial, no entanto, é preciso fixar a interpretação de normas jurídicas de maneira a evitar a sistemática violação de direitos fundamentais”.
Por tudo isso, o ministro propôs a seguinte tese: “Em razão do déficit assistencial que torna insuficiente a proteção de mulheres e, sobretudo, de meninas vítimas de estupro, fica facultado a profissionais de enfermagem prestar auxílio ao procedimento necessário à interrupção da gestação, nos casos em que ela seja lícita (Código Penal, art. 128 e ADPF 54)”.