“O Guardião tá on.” Essa é a descrição da conta oficial do Supremo Tribunal Federal no TikTok, criada em julho de 2021. O ato não foi a primeira e nem a principal incursão do STF e seus ministros no ambiente digital. Contudo, a criação de conta do STF no TikTok faz parte de um movimento nas mídias sociais que se intensificou durante o governo Bolsonaro.
Essa movimentação se dá em uma batalha pela recuperação (ou ao menos manutenção) da reputação do Supremo, após as recorrentes críticas e acusações do ex-presidente Jair Bolsonaro à instituição e seus integrantes. Nesse cenário houve uma mudança na estratégia de comunicação do tribunal – e também de seus ministros – na internet.
Ao pesquisar as interações entre Bolsonaro e o STF no X (o antigo Twitter), em episódios de intenso conflito político, foi possível constatar que a mídia social serviu de palco para disputas em torno de narrativas políticas. A cada fato novo de conflito entre o ex-mandatário e a corte, cada parte apresentava sua própria descrição e adjetivação para o ocorrido.
Ao longo dos anos de 2020 e 2021, em meio a uma crescente hostilidade de Bolsonaro em relação ao Supremo, as declarações de ministros do STF em tuítes tornaram-se cada vez mais uniformes e alinhadas com as manifestações da conta institucional, respondendo diretamente às acusações de Bolsonaro.
No início desse período, as críticas e acusações eram mais sutis; para serem devidamente compreendidas, era preciso acompanhar o contexto. Em maio de 2020, enquanto Sergio Moro deixava o Ministério da Justiça acusando o então presidente da República de interferência ilegal na Polícia Federal, o STF foi chamado a exigir a exibição de um vídeo de uma reunião ministerial, na qual a intenção ilícita teria sido vocalizada.
Bolsonaro publicou a transcrição do artigo 28 da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19), que pune a divulgação arbitrária de gravações. Três dias depois, a conta oficial do tribunal publicou: “Presidente e vice-presidente afirmam que @STF_oficial está vigilante a qualquer forma de agressão à democracia. ‘Não há democracia sem respeito às instituições’”.
Já no final desse período, o embate era muito mais afrontoso e explícito. Durante a preparação para os atos de 7 de setembro de 2021, orquestrada para que Bolsonaro demonstrasse amplo apoio popular, o ex-presidente acusou nominalmente ministros do STF de estarem provocando uma ruptura institucional:
“– Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura institucional, a qual não provocamos ou desejamos. – De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais”.
Em outro momento, anuncia ter protocolado pedido de impeachment de ministro, afirmando: “Protocolada no Senado denúncia contra o Ministro Alexandre de Moraes do STF, com pedido de destituição do cargo.” Nesse tipo de situação, a reação do Supremo também subia de tom. A resposta na ocasião foi igualmente explícita:
“O STF, neste momento em que as instituições brasileiras buscam meios p/ manter a higidez da democracia, repudia o ato do Exmo. Sr. Presidente da República, de oferecer denúncia contra um de seus integrantes por conta de decisões em inquérito chancelado pelo Plenário da Corte. O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal. O STF, ao mesmo tempo em que manifesta total confiança na independência e imparcialidade do Ministro Alexandre de Moraes, aguardará de forma republicana a deliberação do Senado Federal”.
Essas trocas não são meras curiosidades de um período crítico da política brasileira. Tais comunicações disputaram as narrativas golpistas do ex-presidente Bolsonaro junto a um público que consome informações primordialmente nesse ambiente digital. O STF optou por se comunicar com o público de forma mais acessível e aderiu ao mesmo campo para enfrentar as críticas.
Porém, esse tipo de política de comunicação para proteger a reputação do tribunal junto à população irá perdurar fora dos momentos de crise política aguda?
Ao tempo em que escrevemos esta análise, a Suprema Corte dos Estados Unidos publica um “Código de Conduta” para tentar administrar a erosão de sua autoridade junto à população e grupos de interesse na sociedade. O Código foi motivado por um escândalo ético-político relacionado sobretudo ao Justice Clarence Thomas.
O ministro é acusado de ter mantido relações impróprias com bilionários que possuem casos pendentes na corte, inclusive com proveito financeiro. Ele teria sido beneficiado, por exemplo, durante anos com férias luxuosas, recebido empréstimos para adquirir veículo, bem como participado de eventos e jantares mantidos com empresários. Os ministros Samuel Alito e Neil Gorsuch também estiveram envolvidos em escândalos dessa natureza.[1]
Neste caso, a Suprema Corte tenta demonstrar que se dispõe a evitar abusos por parte de seus membros. É possível que este seja justamente um dos desafios de diferentes cortes constitucionais. Esses tribunais compreenderam a relevância da sua reputação política na opinião pública, construída também por atos que vão além das decisões judiciais. De um lado, precisam agir bem publicamente e comunicar de maneira adequada suas ações institucionais. De outro lado, deve zelar por manter uma autoridade que não seja propriamente política, mas fundada no Direito.
Para lidar com esse desafio, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal adote, em contrapartida, uma política comunicativa cada vez mais institucionalizada e menos arbitrária. No mesmo sentido, seria benéfico que o STF também tomasse alguma medida semelhante à criação de um Código de Conduta, para explicitar o compromisso de seus ministros com princípios e valores éticos. Se é verdade que o Supremo é o guardião da Constituição, também é verdade que a autoridade do tribunal está conectada com a percepção popular.
[1] Especificamente, os cânones quatro e cinco do documento pontuam a restrição, sobretudo, deste contato com a opinião pública e com atividades de cunho político. Anteriormente, o tribunal era o único que não possuía código de ética formal para os nove membros. Para consultar o teor, ver: https://www.supremecourt.gov/about/Code-of-Conduct-for-Justices_November_13_2023.pdf