STF estabelece 40 gramas de maconha como critério para separar usuário de traficante

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O Supremo Tribunal Federal (STF) proclamou nesta quarta-feira (26/6) o resultado do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que levou a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Os ministros consideraram que o porte para uso próprio é um ilícito de natureza administrativa, não penal. Também ficou definido que, até que o Congresso legisle sobre o assunto, será presumido como usuário aquele que portar até 40 gramas de maconha ou 6 plantas fêmeas. Outros elementos investigatórios, contudo, podem descaracterizar essa presunção.

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Por maioria, os ministros decidiram conferir interpretação conforme ao artigo 28 da lei 11.343, de 2006, conhecida como Lei Antidrogas, de modo a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal.

Votaram nesse sentido os ministros Gilmar Mendes (relator), Edson FachinLuís Roberto BarrosoAlexandre de MoraesRosa Weber, e Cármen Lúcia. Ficaram vencidos nesse ponto os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, André Mendonça, Dias Toffoli e Luiz Fux.

Dias Toffoli e Luiz Fux votaram no sentido de que o artigo 28 é constitucional e já não criminalizaria o usuário, de forma que a punição prevista nele não seria de natureza penal e deveria ser mantida. Os ministros Cristiano ZaninNunes Marques e André Mendonça votaram também pela constitucionalidade da norma, mas interpretaram que o artigo 28 criminaliza o uso e deve ser mantido.

No caso concreto, que envolvia um detento que portava 3 gramas de maconha para uso pessoal, a maioria dos ministros decidiu por dar provimento ao recurso extraordinário na parte referente à absolvição do acusado por atipicidade da conduta. Ficaram vencidos os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Luiz Fux.

Repercussão Geral

Nesta quarta-feira, os ministros também foram fixaram as seguintes teses (Tema 506 da repercussão geral):

Não comete infração penal quem adquirir, guardar, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
As sanções estabelecidas nos incisos I e III do artigo 28 da lei 11.343, de 2006, serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta.
Em se tratando de posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em juízo, sendo vedada a lavratura de auto de prisão em flagrante ou de termos circunstanciados. Até que seja fixado pelo CNJ o novo rito, a competência para julgar as condutas do artigo 28 será excepcionalmente dos juizados especiais criminais
Nos termos do parágrafo 2º do artigo 28 da lei 11.343, de 2006, será presumido usuário quem, para uso próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas de cannabis sativa ou até seis plantas fêmeas, até que o Congresso venha a legislar a respeito.
A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido quando presentes elementos indicativos do intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstancias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registro de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes.
Nesses casos, caberá ao delegado de polícia consignar no auto de prisão em flagrante justificativa para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos e arbitrários.
Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para afastamento da presunção de porte para uso próprio.
A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir pela atipicidade da conduta, apontando nos autos provas suficientes da condição de usuário.

Usuário ou traficante?

O STF decidiu estabelecer um critério para diferenciar usuário de traficante até que o Congresso legisle sobre o tema. O limite ficou em 40 gramas ou até 6 plantas fêmeas por usuário.

O presidente da Corte, ministro Barroso, ressaltou que o julgamento buscou estabelecer uma forma de lidar com o encarceramento em massa de jovens portando pequenas quantidades de drogas. “Nós detectamos que a não definição de um critério distintivo entre usuário e traficante fazia com que houvesse grande descriminação com as pessoas pobres, geralmente negras, que vivem nas periferias”, disse Barroso.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes trouxe um estudo que mostra como a falta de um parâmetro concreto gerou injustiça entre pessoas que carregavam a mesma quantidade de droga.

Segundo o ministro, a quantidade de drogas é, na maioria das vezes, o único critério para tipificar como usuário ou traficante. E esse número varia bastante. “Na capital de São Paulo, se considera tráfico, em média, o porte de 33g de cocaína, 17g de crack e 51g de maconha. No interior do estado, 20g de cocaína, 9g de crack e 32g de maconha. Não é possível que haja tanta variação dentro do mesmo estado”, disse Moraes.

Elaborado pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), o estudo analisou 656.408 ocorrências de flagrantes por tráfico de 2003 a 2017 em São Paulo e 556.613 apreensões como uso – totalizando mais de 1,2 milhão de casos. Foram catalogadas 2.626.802 pessoas envolvidas nesses anos. Do total de ocorrências, 98% foram maconha e cocaína: 53,16% de maconha e 44,5% de cocaína.

Fundo Nacional Antidrogas

O STF determinou também, nos termos do voto do relator, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com outros órgãos públicos, adote medidas para permitir que os juízes cumpram o que foi julgado. Também determina que seja criado um protocolo próprio para encaminhar os usuários de drogas ao serviços de saúde pública.

Os ministros aprovaram um apelo aos Poderes Executivo e Legislativo para que melhorem as políticas públicas de combate às drogas, no sentido de mudar o foco repressivo para um modelo multidisciplinar. Em especial, eles pedem que haja uma campanha de conscientização contra o uso de drogas, nos moldes da que existiu para o cigarro.

Para viabilizar a concretização dessa política pública, o STF determinou que caberá aos Poderes Executivo e Legislativo garantir dotações orçamentárias suficientes para essa finalidade. Para isso, a União deverá liberar o saldo acumulado do Fundo Nacional Antidrogas, que é gerido pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, e se abster de contingenciar novos aportes.

Por fim, os ministros aprovaram que o CNJ, com participação da defensoria pública, faça mutirões carcerários para curar e corrigir prisões decretadas em desacordo com os parâmetros fixados no voto do relator.

Caso concreto

A Defensoria Pública de São Paulo entrou com o recurso no Supremo questionando um acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema, em São Paulo, que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal.

A Defensoria argumenta que o ato não afronta a saúde pública, só a saúde pessoal do usuário, quando muito. No recurso, ela questiona também a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas nº 11.343/2006, que classifica como crime o porte de entorpecentes para consumo próprio. O principal argumento é que o dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada, uma vez que a ação não implicaria em danos a bens jurídicos alheios.

O Supremo, por maioria, decidiu dar provimento ao recurso extraordinário na parte referente à absolvição do acusado.