STF e responsabilidade do grupo econômico na área trabalhista

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Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que sociedades empresárias de um mesmo grupo econômico não podem, na fase de execução, ser responsabilizadas solidariamente por dívidas trabalhistas. De acordo com o Tribunal, a regra é a de que somente pode ser executada a sociedade empresária que tiver participado do processo desde o início, salvo casos de sucessão empresarial ou de abuso ou fraudes.

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A questão foi decidida no âmbito do RE 1.387.795, relatado pelo Ministro Dias Toffoli, cujo julgamento foi concluído na sessão virtual que se encerrou no dia 10.10.2025, nos termos da seguinte decisão:

“O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.232 da repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário, deu-lhe provimento, excluindo a recorrente do polo passivo da execução, e fixou a seguinte tese:

“1 – O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo, devendo o reclamante indicar na petição inicial as pessoas jurídicas corresponsáveis solidárias contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses de grupo econômico (art. 2°, §§ 2° e 3°, da CLT), demonstrando concretamente, nesta hipótese, a presença dos requisitos legais;

2 – Admite-se, excepcionalmente, o redirecionamento da execução trabalhista ao terceiro que não participou do processo de conhecimento nas hipóteses de sucessão empresarial (art. 448-A da CLT) e abuso da personalidade jurídica (art. 50 do CC), observado o procedimento previsto no art. 855-A da CLT e nos arts. 133 a 137 do CPC;

3 – Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017, ressalvada a indiscutibilidade relativa aos casos já transitados em julgado, aos créditos já satisfeitos e às execuções findas ou definitivamente arquivadas”. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Plenário, Sessão Virtual de 3.10.2025 a 10.10.2025.”

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Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, para quem a impossibilidade de inclusão das empresas na fase de execução prejudica o regime protetivo trabalhista.

Embora o acórdão ainda não tenha sido publicado, já se pode fazer algumas considerações preliminares a respeito do julgamento, ainda que estas tenham que ser revisitadas após a publicação do acórdão e o acesso a todos os fundamentos, inclusive aqueles utilizados pelos votos vencidos.

Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de o STF ter julgado matéria que, em princípio, apresenta natureza infraconstitucional. Se todas as discussões sobre alocação de riscos e responsabilidades dos negócios tiverem que ser decididas pelo STF, sob o fundamento de uma pretensa natureza constitucional, o Tribunal se transformará em um grande tribunal de causas empresariais. Logo, não há dúvida de que este é um primeiro ponto de atenção quando os votos estiverem disponíveis.

Indo para o mérito da tese, eu já tive oportunidade de sustentar, em trabalhos doutrinários anteriores[1], que a reforma trabalhista não alterou a distinção entre empregador real e grupo, mantendo a direção unitária como elemento distintivo essencial dos grupos econômicos, os quais abrangem igualmente os grupos contratuais e não somente os societários. Daí a previsão de que as sociedades que integram grupo econômico são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

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Nesse sentido, a CLT resolveu o problema dos grupos de forma estrutural no âmbito trabalhista, ao contrário de outras áreas, em relação às quais não existe responsabilidade automática de sociedades do grupo pelas dívidas das outras, nem mesmo quando se trata da responsabilidade da sociedade controladora por atos de suas controladas. Antes mesmo da reforma da CLT, a mencionada solução estrutural já existia, tendo sido mantida.

Ao que parece, o julgamento do STF não altera essa orientação, até porque ela decorre claramente do art. 2º. da CLT, seja na sua redação anterior, seja na sua redação atual pós-reforma. O problema parece ser realmente o momento processual adequado para invocar a responsabilidade solidária grupal, uma vez que a tese fixada pelo STF exige que as corresponsáveis solidárias façam parte da relação processual desde o seu início.

Verdade seja dita que a tese, ao assim determinar, invoca a necessidade de que o autor demonstre os requisitos legais para a referida inclusão. Entretanto, tudo leva a crer que tais requisitos são exatamente aqueles já previstos na CLT, os quais se confundem com a própria identificação de grupo econômico que, como também já tive oportunidade de salientar, é mais ampla do que grupo societário[2].

O grande impasse, ao que parece, é o fato de a tese vencedora ter admitido a inclusão de sociedades do grupo na fase da execução tão somente diante de casos de sucessão ou abuso da personalidade jurídica, esta última hipótese a ser identificada por meio do respectivo incidente de desconsideração. Aliás, a tese faz expressa menção ao art. 50, do Código Civil, que reconhece a teoria maior da desconsideração.

Vale lembrar que, a partir da Lei de Liberdade Econômica, foi acrescido o § 4º, ao art. 50, no sentido de que “a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.”

Com isso, tudo leva a crer que a decisão do STF pretende colocar fim à grande discussão sobre se deveria prevalecer, na seara trabalhista, a teoria menor da desconsideração – que dispensa a constatação do abuso da personalidade jurídica – a exemplo do que já ocorre em outras searas, como a consumerista.

Trata-se de importante questão pois, como também já tive oportunidade de salientar em coluna anterior, por mais que a separação patrimonial decorrente da personalidade jurídica seja um importante fator de desenvolvimento econômico, pode ter efeitos nefastos especialmente para credores involuntários e pequenos credores, como é geralmente o caso do credor trabalhista[3].

Logo, esse é um aspecto crucial da tese fixada pelo STF, a exigir um maior aprofundamento dos fundamentos adotados para se chegar à conclusão da aplicação da teoria maior da desconsideração. Afinal, sob vários aspectos, o IDPJ já possibilitaria o exercício do contraditório pelas pessoas jurídicas que são chamadas a responder na fase da execução, inclusive para o fim de defenderem a inexistência do grupo e o consequente afastamento da responsabilidade solidária.

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Mais do que isso, especialmente em se tratando da responsabilidade da controladora por atos da controlada, como se trata de questão estrutural que decorre do próprio exercício do controle – o que não necessariamente acontece em outras hipóteses de responsabilidade no âmbito grupal, tais como a de uma controlada por dívidas de outra controlada –  não parece haver maiores dificuldades para o ingresso da controladora na fase de execução – especialmente em casos nos quais não haja dúvidas sobre a relação de controle – ainda mais depois de assegurado o contraditório por meio do IDPJ.

Fato é que abordagens mais restritivas da desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução, especialmente quando aplicadas de forma homogênea a todos os casos, podem mitigar, de forma inadequada, a proteção que o art. 2º. da CLT confere aos empregados, razão pela qual esse é um dos pontos sensíveis da decisão do STF.

Assim, há grande expectativa quanto à publicação do referido acórdão, a fim de que possamos verificar quais os aspectos constitucionais invocados pelo STF para se chegar à corrente vencedora e em que medida ela se mostra a mais adequada para assegurar o regime protetivo previsto pela CLT.


[1] FRAZÃO, Ana. Grupos societários no Direito do Trabalho e a Reforma Trabalhista. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 83, n. 4, out/dez 2017, pp. 31-67.
[2] FRAZÃO, Ana. Op.cit.
[3] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/responsabilidade-limitada