STF e franquias: segurança jurídica em jogo

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Nos últimos tempos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reforçado a segurança jurídica em torno dos contratos civis, com especial atenção àqueles que vêm sendo judicialmente questionados como se “travestidos de relação de emprego”, como é o caso dos contratos de franquia.

Recentemente, nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603/PR, o ministro Gilmar Mendes, relator do caso, determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutam o Tema 1389 de repercussão geral, subsequentemente à decisão que reconheceu à competência da Justiça Comum para julgar ações envolvendo contratos de franquia.

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A decisão da corte sobre a repercussão geral desse tema evidencia desafios relevantes para o setor de franquias, que opera sob um regime jurídico próprio, mas ainda é alvo de disputas trabalhistas. Para muitos, o reconhecimento da repercussão geral representa um avanço pois busca evitar decisões divergentes e promover segurança jurídica.

O STF tem se posicionado em defesa da liberdade contratual, princípio fundamental da Constituição Federal, segundo o qual pessoas físicas ou jurídicas tem o direito de estabelecer suas relações conforme seus interesses mútuos. No contexto das franquias, essa liberdade está respaldada pela Lei 13.966/2019 (Lei de Franquias)[1], que define a franquia como uma relação comercial entre empresas, e não uma relação trabalhista entre patrão e empregado.

Os contratos desta natureza, que como mencionamos dispõe de legislação própria, estabelecem uma complexa relação entre franqueador e franqueado, envolvendo cessão de uso de marca, transferência de know-how, suporte técnico e obrigações contratuais de longo prazo, hipersuficiência técnica e econômica do franqueado.

Além da presunção de validade dos contratos empresariais, diante da ausência de vícios de consentimento. A posição do STF no ARE 1532603 reafirma os contornos do contrato de franquia como negócio jurídico de natureza privada e empresarial, submetido à Justiça Comum.

Apesar disso, decisões da Justiça do Trabalho frequentemente desconsideram esse caráter empresarial, adotando uma interpretação que prioriza a proteção do “trabalhador”, mesmo em relações claramente empresariais. Não são raros os casos em que franqueados, apesar na maioria das vezes se tratarem de empresários bem-sucedidos, alguns com empreendimentos paralelos e com faturamento médio na casa de R$ 30 mil ao mês para uma micro franquia, acionam o Judiciário pleiteando o reconhecimento de vínculo empregatício.

Esse movimento, embora compreensível sob o viés da proteção social, gera profunda insegurança jurídica para os franqueadores e para própria economia do país, uma vez que tal cenário afasta novos investidores, bem como desincentiva a manutenção daqueles que aqui já investem.

Digno de registro que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiteradamente reconhecido que, em se tratando de contrato de franquia empresarial, o franqueado atua como investidor e empresário, assumindo riscos do negócio, responsabilidades civis e obrigações perante terceiros.

Nesse cenário, ganha destaque a teoria da hipersuficiência, que reconhece a capacidade do franqueado de tomar decisões autônomas e sustentar seu próprio negócio, diferentemente de um empregado típico, submetido à subordinação. A construção de contratos que reflitam essa autonomia, inclusive por meio de cláusulas específicas, é fundamental para reduzir riscos de judicialização indevida.

É recomendável que o franqueador adote práticas que evidenciem a independência do franqueado. Ademais, antes da assinatura do contrato propriamente dito, o oferecimento da Carta de Oferta de Franquia (COF) deve atender a todos os requisitos legais, ficando muito claras as condições do negócio para que não tenhamos fragilidade no consentimento.

A taxa de franquia deverá manter valores à mercado, além do pagamento de royalties e outras taxas a ser ajustadas. Cláusulas de autonomia devem ser claras ao estipular que o franqueado possui liberdade para organizar e gerir seu negócio e contratação de pessoal, reforçando a natureza empresarial da relação.

Outro ponto sensível é a inversão do ônus da prova nos processos trabalhistas que envolvem franquias. Quando o franqueador apresenta um contrato válido e legalmente estruturado, precedido também da Circular de Oferta de Franquia (COF) nos termos exigidos pela lei própria, não deve recair sobre ele a obrigação de comprovar que cada cláusula é compatível com a legislação trabalhista.

Cabe à parte que alega fraude contratual comprovar sua existência. Do contrário, corre-se o risco de violar princípios básicos do direito contratual e da própria segurança jurídica.

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No que diz respeito à tensão entre o STF e a Justiça do Trabalho, é importante destacar que a decisão do Supremo, no nosso sentimento, não busca invalidar o papel do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas sim reafirmar sua competência constitucional para uniformizar o entendimento jurídico, garantindo estabilidade às relações contratuais no país. A expectativa é que, com o tempo, as decisões trabalhistas passem a refletir os precedentes do STF.

Em conclusão, o reconhecimento da repercussão geral sobre os contratos civis que são indevidamente tratados como relações de emprego inaugura um novo capítulo no setor de franquias. Trata-se de uma oportunidade de reforçar a segurança jurídica, desde que os franqueadores sigam fielmente a legislação especifica, além de adotar práticas que representem a efetiva natureza empresarial dessas relações. A franquia não é uma relação de trabalho, é uma parceria comercial que deve ser tratada como tal.


[1] Art. 1º  Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.