A identificação dos agentes que devem prestar contas ao TCU — e que, por consequência, são passíveis de punição — é fundamental à segurança jurídica, sobretudo pela ótica de quem busca contratar com a Administração. Discutimos o tema recentemente nesta coluna. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem tido papel relevante na definição dos responsáveis que, segundo a Constituição, estariam abarcados pela jurisdição do controle de contas.
Em 2023, pesquisa da Escola de Formação Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) mapeou as decisões do STF que discutem e avaliam a possibilidade de o TCU aplicar medidas restritivas de direitos em face de particulares contratados pela Administração Pública.
Quer saber os principais fatos ligados ao serviço público? Clique aqui e se inscreva gratuitamente para receber a newsletter Por Dentro da Máquina
A pesquisa foi motivada pelo fato de que, em 2019, sem que houvesse alteração legislativa sobre o tema, o TCU sedimentou entendimento, contestável segundo parcela significativa da literatura especializada, segundo o qual pessoas físicas ou jurídicas de direito privado contratadas pela Administração estariam submetidas à sua jurisdição (Acórdão nº 321/2019).
Provocado a se manifestar sobre esse entendimento, o colegiado do STF, segundo dados da pesquisa, tende a respaldar a possibilidade de o TCU emitir ordens ou aplicar sanções diretamente a particulares contratados. Todos os nove mandados de segurança em que a discussão foi posta foram denegados.[1] O Supremo, portanto, parece considerar que fornecedores de bens e serviços para o Estado estariam abarcados pela jurisdição do controle de contas.
O achado mais importante da pesquisa, contudo, é quanto à consistência dos argumentos usados para respaldar essa linha jurisprudencial.
Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!
Além de aceitar a atuação do TCU em face de sujeitos que não são agentes públicos (integrantes da máquina pública ou delegados), afrontando os artigos 70, parágrafo único, e 71, incisos II e VIII da Constituição, o STF não analisa se os recursos que particulares contratados recebem a título de contraprestação têm ou não natureza pública.
Entidades do terceiro setor — que recebem repasse de recursos orçamentários e que têm de aplicá-los em projetos sociais de interesse da coletividade — e particulares contratados — que recebem contraprestação para o fornecimento de bens e serviços — são tratados de forma indistinta pelo STF. A jurisprudência do Supremo ignora que, diferentemente das parcerias sociais, nos contratos administrativos os particulares que se relacionam com o Poder Público o fazem com interesse de obter lucro.
É ilógico interpretar que os recursos por eles recebidos a título de contraprestação, a despeito da sua origem no orçamento público, permanecem públicos para fins de controle de contas.
A tese exarada nos julgados analisados pela pesquisa indica que basta que os recursos sejam públicos na origem para que o TCU seja competente para fiscalizar os sujeitos que os recebem e, consequentemente, para lhes aplicar medidas restritivas de direitos.
Ao desconsiderar a existência de regimes jurídicos distintos nas relações travadas entre particulares e Poder Público, o STF respalda ampliação questionável da competência do TCU em face de particulares.
[1] São eles: MS 26.969; MS 30.788; MS 24.379; MS 29.599; MS 36.569; MS 37.329; MS 37.923; MS 35.506 e MS 35.920.